De uns tempos para cá, quase não uso mais a minha carteira. Tudo o que preciso está no celular: documento digitalizado com foto e aplicativo do banco, com Pix e cartão de crédito virtual, decretaram essa mudança de comportamento, também observada em vários amigos e pessoas próximas.
Outro dia, algumas semanas atrás, eu tinha uma série de voltas para dar pela manhã. Entre reuniões de trabalho e tarefas domésticas, transitei algumas horas pela cidade. Cada vez menos, saio de carro. O estresse do trânsito e o preço dos estacionamentos, invariavelmente, empurram-me para um cálculo comparativo, no qual o aplicativo de transporte leva vantagem. Mas, naquele dia, resolvi tirar o carro da garagem. Queria ouvir a minha playlist e trafegar no meu ritmo. A despesa com estacionamentos não seria tão maior.
Devem ter sido uns quatro ou cinco no meu roteiro. Um deles, surpreendentemente, não aceitava Pix. Além disso, a maquininha de cartão estava bugada. Assinei um documento reconhecendo a dívida. Coloquei nele meus dados básicos, inclusive o telefone. Voltei para casa com a missão de retornar, pagar meu débito e resgatar a promissória. “Não tem pressa”, tranquilizou-me o manobrista.
Lembrei-me da dívida alguns dias depois, mas não lembrei, por mais que me esforçasse, onde ficava o estacionamento. Tentei dois, sem sucesso. “É aqui que estou devendo?”. “Não” e “não”. Foi assim que me tornei um inadimplente, contra a minha própria vontade.
Adoro a história do pai de uma amiga que, décadas atrás, comprou um Corcel em São Paulo e veio descendo em direção ao Rio Grande do Sul. Depois de Torres, o veículo estragou. Era noite escura, mas, mesmo assim, ele conseguiu achar uma pequena oficina, onde estacionou. Como o conserto demoraria e ele estava exausto, pegou uma carona para a Capital. No outro dia, quando acordou, deu-se conta de que não recordava onde deixara o precioso bem, adquirido muito antes do celular e do GPS se popularizarem. E foi assim que o pai da minha amiga perdeu um carro, para sempre.
Meu caso é menos grave. Mas se você que está lendo esse texto é dono ou colaborador de um estacionamento, dê, por favor, uma olhada na sua lista de devedores. Se meu nome estiver lá, mande um whats com endereço, foto da promissória e valor do débito. E se você for dono de uma oficina entre Torres e Porto Alegre e um Corcel novinho estiver parado aí há uns 40 anos, pode me avisar. Faço a boa notícia chegar à minha querida amiga.