Saudade da Dona Eva Sopher, daquele jeito ao mesmo tempo direto e doce com que encarava a vida. Sobrevivente do nazismo na Europa, chegou a Porto Alegre e evitou que um teatro com nome de santo fosse demolido. Outro dia, lembrei-me de uma conversa. Falávamos sobre banalidades quando uma mulher se aproximou dela e perguntou: “A senhora se lembra de mim?”. E a Dona Eva, sem piscar, respondeu, secamente: “Não”. A mulher saiu de fininho, enquanto a Dona Eva discorria sobre a inconveniência daquele tipo de abordagem.
Revelei a ela a minha estratégia. Quando alguém faz essa pergunta e eu não tenho resposta, digo sempre: “Me lembro, mas não me lembro de onde”. Na maioria dos casos, o interlocutor me fornece informações suficientes para que eu emende: “Ahhhhh, então é daí”. E todos ficam felizes. Fui além. “Dependendo da pessoa, acrescento, depois: “Mas teu cabelo está diferente...”. O cabelo das pessoas está sempre diferente depois de alguns anos. Ou mais curto, ou mais longo, ou preso, ou pintado. Dona Eva me ouvia atentamente quando uma outra mulher nos interrompeu, desta vez se dirigindo a mim. Parecia combinado, mas não era.
“Se lembra de mim?”, perguntou. Dona Eva soltou um gritinho de entusiasmo, antevendo o rumo da conversa. Olhei para a interlocutora recém-chegada e fui seguindo, sério e compenetrado, o roteiro.
“Me lembro, mas não me lembro de onde”. “Sentei do teu lado em uma palestra”, ela explicou. E eu: “Ahhhh, claro, então é daí”. Dona Eva segurava o riso. Chegara a hora do golpe de misericórdia. “Mas teu cabelo está diferente...”, afirmei, convicto. E a mulher: “Siiiiiimmmm, tá bem mais curto”. Dona Eva explodiu numa gargalhada inesquecível, assustando a minha colega de palestra, que esbugalhou os olhos, pediu licença e foi procurar algum outro velho amigo no recinto. Dona Eva era dessas pessoas que, quando não ria, não ria. Mas quando ria...
Uma vez ela, gentilmente, levou o ator Paulo Autran, de quem era amiga, para que eu os entrevistasse no Estúdio 36, programa que apresentei durante quase uma década na TVCOM, sucedendo, com muita honra, ao Lauro Quadros. Foi uma conversa deliciosa. Perguntei a eles onde sonhavam em estar no futuro. “Eu vou estar assombrando as pessoas no Theatro São Pedro”, me disse Dona Eva, mais uma vez às gargalhadas. Dona Eva entregava o que prometia.
Por isso, se você estiver andando pelos corredores do teatro e uma senhora grisalha aparecer de repente e lhe perguntar, com sotaque alemão, “Se lembrra de min?”, pense bem no que vai responder.