Vai ser difícil comprovar os casos de corrupção ligados à pandemia no Brasil. As coisas mudaram desde a Lava-Jato. Até 2014, alguns personagens da maior roubalheira da História desse país se julgavam impunes. Tinham séculos de cegueira a dar-lhes segurança. Por isso, eram descuidados. Guardavam documentos e se deixavam gravar. Não se trata de menosprezar o trabalho da Polícia Federal, que teve coragem e competência para puxar o fio da meada. Mas as provas da promiscuidade entre poder público e empreiteiras privadas eram abundantes e disponíveis.
O crime aprendeu com o tropeço. Mesmo que o enredo e uma parte dos protagonistas sejam outros, a lógica é a mesma: saquear o Estado em benefício próprio, dos amigos e, eventualmente, da causa. Ou fazer de conta que não sabe, em nome de apoio no Congresso. Bilhões de reais estão sendo investidos pelos governos no esforço para conter os efeitos do coronavírus. É isso mesmo que tem de ser feito nessa hora. Creio que a maioria desses gastos ocorre estritamente dentro dos limites da lei e da ética. Mas tenho certeza de que há muita má fé e falsa esperteza. Alguns casos já começam a espocar, por exemplo, do Rio de Janeiro. São a ponta do iceberg e, mesmo que haja denúncias, vai ser difícil que redundem em condenações definitivas.
Há um absoluto descontrole entre oferta e procura no mercado e esse desequilíbrio gera inflação em itens ligados à saúde, como respiradores, equipamentos de proteção individual e outros produtos e serviços relacionados à covid-19. É nessa brecha que o limite entre preço inflacionado e corrupção ficará indefinido. Logo, pagar US$ 50 mil por um respirador que custava dez vezes menos, deixa de ser, no quadro atual, um absurdo.
Os órgãos de fiscalização e controle precisarão se reinventar. A julgar pela ressurreição de personagens que deveriam estar sepultados da cena pública de Brasília e agora voltam ao centro do poder, corremos a risco de descobrir, em breve, que a Lava-Jato teve o mesmo efeito daquele tratamento com antibiótico interrompido antes do final, que baixa a febre, mas só elimina parte dos invasores. Depois de um tempo, as bactérias mais resistentes voltam a se reproduzir e a infestar esse organismo frágil que se apresenta como "nova política", mas que envelheceu rapidamente e, pior, sem dignidade.