Estar tanto assim em casa se transformou em uma jornada de descobrimentos. Há cantos e detalhes onde habito que jamais notaria se a vida continuasse como era. O mais recente capítulo dessa viagem o final feliz de um mistério. Durante a reforma do ano passado, antes da mudança, perdeu-se a nova pia do lavabo, escolhida com todo o carinho, antevendo a higiene confortável das mãos dos amigos e familiares que nos visitariam. Quarta-feira, enquanto eu esfregava um pano no chão do banheiro, localizei-a, entrincheirada embaixo de um móvel, lá no canto, absolutamente invisível. A vassoura, esticada ao máximo, bateu na caixa e ajudou a resgatar a peça ainda empacotada.
Dispensamos provisoriamente a faxineira semanal, a quem continuamos pagando como se estivesse trabalhando. Enquanto isso, o pó se acumulava na parte superior dos rodapés. Pano úmido, e pronto. Sábado passado, desmontei o refrigerador para limpá-lo. Cada prateleira e gaveta têm encaixes aparentemente fáceis – na hora de desencaixar. Porque para recolocar tudo no lugar, foi-se mais de uma hora. Fica a dica: fotografe a configuração antes. Servirá como guia, depois.
Um dos vidros da sala tem uma manchinha de tinta, respingo da obra. Isaraz? Alguém me ajuda?
A parede do quarto apresenta uma leve ondulação, mais visível com a luz da tarde.
O sol, a cada dia, incide de forma levemente diferente. Não bate mais tão de frente, pela manhã, na prateleira de livros, como fazia no verão.
As invencíveis pequenas formigas que transitam pela cozinha finalmente se acalmaram com a chegada do primeiro frio. O Lennon, simpático vira-latas de 14 anos que abana a rabo em círculos, como se fosse um ventilador, achou um canto mais quentinho para se aninhar.
O processador, guardado desde sempre no fundo de um armário na cozinha, voltou do longo exílio em nome de um bolo de cenoura.
Descobri que a tevê da sala, comprada última Black Friday com um baita desconto, oferece um comando de voz – muito útil para quem tem limitações de visão –, ativado depois que a Jaqueline, minha esposa, sentou-se sem querer sobre o controle remoto. Tudo o que acontecia na tela, desde então, era explicado em voz alta. "Volume no nível 21, volume no nível 22, volume no nível 23". Uma tortura, se você não precisa de auxílio. Acho até que ouvi "saúde" depois de um espirro – alérgico, bom ressaltar.
Até que, depois do Jornal Nacional, a voz metalizada começou a ler TODOS os títulos de séries que apareceram na tela inicial do Netflix. Foi demais. Buscamos um tutorial na internet. O caminho não foi fácil, mas a paz voltou ao lar.
Inacreditável como o tapete da sala acumula farelos e pó.
Finalmente, fiz a receita de tortilla de batatas que anotei quando morava em Barcelona, em 1992. Minhas filhas elogiaram, sempre muito generosas com o esforçado pai.
O lixeiro passa antes do amanhecer. Sei pelo som do caminhão. As motos com escapamento aberto se divertem – e nos infernizam – no asfalto vazio. Quase já entendo as conversas dos cães das quadras ao redor.
O vizinho do prédio em frente caminha na esteira antes das oito. Alguns metros abaixo, a senhora grisalha cumpre, enquanto escrevo, o ritual diário de cuidar dos arbustos na parte superior da pequena cobertura. Seguem, embora com menor intensidade, as visitas ao sétimo andar do edifício marrom do outro lado da rua. Há três placas de "vende" coladas na janela, uma delas torta.
Não havia notado como se popularizaram as mantas metálicas que tapam goteiras e impedem infiltrações de água nos telhados. Avisto várias da sacada.
Não me apresentaram surpresas as plantas, porque sempre cuidei delas. Sei de cada uma as preferências e as quantidades de luz e rega.
Mas uma pequena suculenta, que mora no balcão da sala, murchou. De uns dias para cá, perdeu a rigidez e o viço. Deve ser saudade do silêncio e da paz.