Philip Roth passou a vida tentando fazer as pazes com a morte. Conseguiu há seis anos, ao anunciar que não publicaria mais livros. Na terça-feira, lembrei automaticamente do último parágrafo de Nemesis, uma narrativa delicada e contundente sobre contaminação e vida, sobre culpa e responsabilidade. O pano de fundo é um surto de poliomielite em Newark, sua cidade Natal. Fiz questão de não reler. Transcrevo o que a memória me oferece. Um salto de um trampolim em direção à água, a beleza de um movimento fugaz, o fim. É o que fica. Um desenho de movimento.
O Animal Agonizante provocou em mim um choque de encantamento. Um homem maduro se apaixona por uma mulher mais jovem. Pode parecer nojento, aviso antes: ele bebe a menstruação dela. A cena faz sentido no contexto. Tive vontade, pela primeira vez, de aplaudir um autor diante da página aberta. Só mesmo a boa literatura consegue descrever algo assim sem provocar ânsia de vômito. Ao contrário: a força na narrativa transforma a escatologia em poema, inspira compaixão e susto.
Uma vez, no Fronteiras do Pensamento, perguntei ao também escritor Mario Vargas Llosa como ele definiria "boa literatura". "É aquela que diz algo que não poderia ser dito de outra forma", foi a resposta.
Philip Roth escrevia o que só cabia em palavras.