Caetano Veloso é um gênio da música, mas um intelectual inconsistente.
Ele não sabe quem eu sou. Minha opinião não o fará perder sequer um segundo de sono. Fico até meio assim de escrever. Porque Caetano é Caetano. É como criticar Pelé ou Picasso. Não convém. Vou correr o risco. Me xinguem, me chamem de pretensioso. Talvez eu até mereça.
1) Nos anos 80, Caetano foi a Tel-Aviv. Gostou do mar. Achou tudo parecido com o Brasil, porque Narciso acha feio o que não é espelho. Passou a defender Israel.
2) Em julho deste ano, Caetano desembarcou em uma vila palestina. Não gostou do que viu. Caetano passou a criticar Israel. Cedeu à pressão pelo boicote. Ameaçou nunca mais voltar.
O zigue-zague me fez lembrar de um artigo divertidíssimo do Steve Martin que li na revista Piauí, faz tempo. Era a história de Toby, um cavalo falante que ponderava sobre a existência de um ser superior. O resumo: se o dia estava bonito e tinha comida, ele acreditava em Deus. Se o dia estava feio e não tinha pasto, não acreditava.
Outro dia, Caetano escreveu um artigo sobre Oriente Médio na Folha de S. Paulo. Mais ou menos assim: Se Israel é vítima da intransigência árabe e as praias estão ensolaradas, Caetano adooooora Israel. Se as crianças palestinas sofrem e há nuvens cinzas no céu, Caetano é contra Israel.
Fiquei com a impressão de que Caetano leu pouco sobre o assunto, visitou poucos museus, conheceu lugares insuficientes. Mas fala com autoridade de especialista. Já ouvi Caetano elogiando Antônio Carlos Magalhães, falando sobre tudo, entrando de sola. Caetano tem como aliado o domínio da forma. Escreve bem, o Caetano. Seus textos parecem tocados pelo ritmo mágico e suave das marés e das brisas de Salvador.
Não importa o que diga. Quando canta e compõe, está absolvido.
Aprendi com a Fátima Ali, uma querida amiga palestina, o jeito megabom, gigabom, terabom de olhar essa questão. Se o conflito entre Israel e os palestinos fosse uma linha de tempo, a razão estaria com um ou com o outro, dependendo do ponto dessa linha em que se ponha o dedo. Desde que o samba é samba, é assim. "Nós temos é que escolher um ponto no futuro", a Fátima me ensinou.
Caetano não. Caetano põe o ponto nele mesmo. Caetano finge-se romântico, mas é vadio computador. Caetano, sem querer, dá razão a quem queima as bandeiras de Israel e dos EUA. Pergunto: quem eles queimam? Bob Dylan? Shimon Peres? Martin Luther King? Harvey Milk?
Não vamos cravar sobre o peito as unhas do rancor. Israel é muito mais do que territórios ocupados. Os palestinos não são terroristas. Os que mataram dezenas de pessoas na sexta-feira em Paris, são.
Caetano anda confuso com o tema. Está em ebulição criativa. Tomara que vire uma canção. Se for apenas isso, será um alívio.
Não vejo a hora de ir ao próximo show.