
A temporada 2025 já teve dois Robert Pattinson no mesmo filme (vivendo clones em Mickey 17), dois Robert De Niro (com papel duplo em The Alto Knights: Máfia e Poder) e agora tem dois Michael B. Jordan.
O ator interpreta gêmeos em Pecadores (Sinners, 2025), a grande atração do momento nas salas de cinema — especialmente as do tipo IMAX, com tela gigante e som potente que oferecem uma experiência mais imersiva.
O diretor e roteirista é Ryan Coogler, que, aos 38 anos, demonstra ter uma virtude escassa em Hollywood: audácia. Em Pecadores, o cineasta resolveu misturar drama histórico, musical blues e terror com vampiros — sem deixar de lado a ação, a comédia e o romance.
O resultado dessa mescla de gêneros vai depender muito do estado de espírito do espectador. Alguns momentos do filme são sublimes em sua originalidade e no seu abraço ao risco, e pelo menos uma sequência é digna de rostos lacrimejados e de aplausos durante a projeção.
Mas outras cenas podem fazer sentir vergonha alheia, por causa do investimento no chamado terrir. (Por falar em humor, vale avisar aos mais pudicos: os personagens fazem piadas bem descritivas sobre sexo oral.)
Quinta parceria entre Coogler e Jordan

Pecadores é a quinta parceria do diretor Ryan Coogler com o ator Michael B. Jordan. Eles fizeram juntos Fruitvale Station: A Última Parada (2013), Creed: Nascido para Lutar (2015), Pantera Negra (2018) e Pantera Negra: Wakanda para Sempre (2022).
A equipe técnica reúne vários nomes vistos nos créditos desses filmes, como a diretora de fotografia Autumn Durald Arkapaw, o editor Michael P. Shawyer, a designer de produção Hannah Beachler (ganhadora do Oscar por Pantera Negra), a figurinista Ruth E. Carter (duplamente oscarizada pelas aventuras do super-herói da Marvel) e o compositor sueco Ludwig Göransson (laureado na premiação da Academia de Hollywood pelas trilhas de Pantera Negra e de Oppenheimer).

Já o elenco está cheio de rostos novos nos trabalhos da dupla, como o estreante Miles Caton, o veterano Delroy Lindo e o multiartista Saul Williams. O time feminino inclui Wunmi Mosaku (das séries Lovecraft Country, A Cidade É Nossa e Loki), Jayme Lawson (a jovem Michelle Obama da minissérie The First Lady e a Bella Réal do Batman dirigido por Matt Reeves), Hailee Steenfeld (indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por Bravura Indômita e protagonista da série Dickinson) e a chinesa Li Jun Li (a cantora andrógina de Babilônia).
A trama de "Pecadores"

A trama de Pecadores começa em um dia qualquer de 1932, no Estado do Mississippi, onde, naquela época, ainda vigoravam as Leis de Jim Crow, que impunham a segregação racial.
O cenário é Clarksdale, pequena cidade importante tanto na luta dos direitos civis dos afroamericanos quanto na história do blues — gênero musical nascido da confluência de ritmos africanos e cantos religiosos desenvolvida por negros escravizados enquanto trabalhavam nas plantações de algodão do sul dos Estados Unidos.
Aliás, a música é onipresente no filme. Neste caso, se justifica: ela tanto serve para estabelecer e variar o clima — ora hipnótico, ora eletrizante, ora tétrico, ora sensual, ora epifânico — quanto é o próprio tema.
Não à toa, Ryan Coogler abre Pecadores com uma narração em off sobre seu caráter místico — seria capaz de "desfazer o véu entre a vida e a morte". Também cita os griôs, os indivíduos que na África Ocidental preservavam e transmitiam as canções, as histórias, os conhecimentos e os mitos de seu povo.
O primeiro personagem a surgir em cena, durante uma manhã ensolarada, é Sammie (Miles Caton), o Pastorzinho. Com o rosto bastante lanhado, mancando de uma perna e segurando apenas o cabo de um violão, ele irrompe na igrejinha onde seu pai, o pastor Jedidiah (Saul Williams), está conduzindo uma missa.
Bem que ele alertara o filho, um aspirante a blueseiro: "Se você continuar dançando com o Diabo, um dia ele vai te acompanhar até em casa" — frase que remete à lenda em torno do cantor e guitarrista Robert Johnson (1911-1938).

Aí, a narrativa retrocede ao início do dia anterior, quando então vamos conhecer os gêmeos interpretados por Michael B. Jordan. São os irmãos Fumaça e Fuligem, que regressaram de Chicago, onde eram gângsteres, para abrir um juke joint — nome dado aos clubes noturnos de música, dança, comida, bebida e jogos de azar que eram administrados e frequentados por negros.
Fumaça e Fuligem lidam com obstáculos, reencontros com mulheres de seu passado — as personagens de Wunmi Mosaku e Hailee Steenfeld — e preparativos para a noite de inauguração, o que inclui encomendar cartazes para uma comerciante chinesa, Grace Chow (Li Jun Li), contratar um velho músico, Delta Slim (Delroy Lindo, sempre magnetizador), e recrutar um leão-de-chácara, o Broa de Milho (Omar Benson Miller, uma versão rejuvenescida de Forest Whitaker).
Por que o vilão é um vampiro

Enquanto Fumaça e Fuligem se preparam para inaugurar seu clube noturno, um homem com parte do corpo queimado, Remmick (Jack O'Connell), bate à porta de um casal branco de fazendeiros. Logo em seguida, indígenas Choctaw aparecem no mesmo endereço, à procura do mesmo sujeito. Quando a noite cai, eles rapidamente vão embora.
Logo fica claro que Remmick é um vampiro. A presença desse monstro sagrado do terror não é nada aleatória em Pecadores: permite a Ryan Coogler fazer um incisivo comentário social. Se "os brancos gostam muito de blues, só não gostam das pessoas que tocam o blues", como diz Delta Slim, o vilão da história serve como uma alegoria de como a sociedade majoritariamente branca dos EUA vampiriza e se apropria da cultura produzida pela minoria negra.
Ao mesmo tempo, é bem interessante um cineasta negro tomar para si um subgênero tradicionalmente dominado por artistas brancos, com algumas notáveis exceções, como Blácula: O Vampiro Negro (1972) ou a trilogia Blade (1998-2004), protagonizada por Wesley Snipes. Mas Coogler, em nome do entretenimento popular, ocupa demasiado tempo das duas horas e 17 minutos com cenas de ataques sanguinolentos que são temperados por piadas verbais ou visuais. Por vezes, um filme com uma atmosfera trágica se assemelha a uma aventura do tipo Rambo ou uma comédia pastelão.
A cena mágica do filme
Ainda assim, Pecadores deve entrar para a história do cinema, graças a um momento mágico na noite de abertura do clube noturno de Fumaça e Fuligem.
ALERTA DE SPOILERS.
É um plano-sequência que nos coloca dentro do vibrante juke joint enquanto Sammie canta e toca, inebriando a plateia. Estamos todos — os personagens, os atores, os figurantes e os espectadores — em uma espécie de transe. Que vira uma epifania: enquanto a narração em off conta que a música pode não só romper a barreira entre os vivos e os mortos, mas também as fronteiras entre o passado, o presente e o futuro, aparecem em cena um homem com trajes folclóricos africanos e um instrumento ancestral do violão, um sujeito com uma guitarra elétrica, um DJ fazendo scratch em seu toca-discos...
É uma grande, contagiante e comovente celebração da música como meio de expressão das dores e das alegrias da comunidade negra, a música como veículo de acesso a suas origens e de prospecção por dias melhores, a música como um território de identidade, comunhão e liberdade.
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