
Quantos filmes estão disponíveis na Netflix? Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), a plataforma de streaming tem cerca de 4 mil títulos no seu catálogo.
Mas quantos desses valem mesmo o seu clique: mil, centenas, dezenas?
O critério para fazer esta lista foi absolutamente subjetivo. Não importam a conquista de prêmios como o Oscar, o sucesso de bilheteria ou a relevância história: só entraram na seleção aqueles 30 filmes que eu veria de novo agora mesmo.
Pode ser para simplesmente me deixar encantar outra vez, pode ser para descobrir detalhes que haviam passado despercebido, pode ser para exercitar a fantasia da violência, pode ser para rir de piadas vulgares, pode ser até para me afundar na tristeza mais abissal.
Os 30 melhores filmes na Netflix
1) Era uma Vez no Oeste (1968)

De Sergio Leone. Quem disse que a Netflix não tem clássicos? Um deles é este faroeste com três horas de duração em que a violenta disputa por terras onde deve passar um ferrovia interliga quatro personagens: a ex-prostituta Jill (Claudia Cardinale), o bandido Cheyenne (Jason Robards), um pistoleiro de aluguel (Henry Fonda) e o misterioso homem (Charles Bronson) que sempre traz consigo uma gaita.
Como escreveu o crítico Daniel Feix, "neste filme-síntese dos preceitos do western spaghetti a sede de sangue se confunde com a ganância sem limites, o que explica a aura pessimista do título original — Era uma vez o Oeste, alusão a um tempo/ lugar com valores que ficaram para trás". De quebra, podemos ouvir mais uma inesquecível trilha sonora de Ennio Morricone.
2) O Poderoso Chefão (1972)

De Francis Ford Coppola. O épico sobre uma família de mafiosos foi um tremendo sucesso de bilheteria: custou US$ 6 milhões e arrecadou US$ 246 milhões. Ganhou o Oscar em três categorias — melhor filme, ator (Marlon Brando) e roteiro adaptado — e recebeu outras nove indicações, sendo que Al Pacino, James Caan e Robert Duvall disputaram o troféu de coadjuvante.
A história começa logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1945. Depois que o patriarca Vito Corleone sofre um atentado, acompanhamos a transformação de Michael, um militar considerado "civil" no submundo do crime, em um novo poderoso chefão.
3) Taxi Driver (1976)

De Martin Scorsese. É um filme marcante desde a primeiríssima cena: o táxi amarelo atravessando a fumaça, a cidade de Nova York vista sob a perspectiva distorcida do Travis Bickle encarnado por Robert De Niro, a música do grande Bernard Herrmann alternando o soturno e o terno.
Palma de Ouro no Festival de Cannes, a segunda colaboração entre Scorsese e o ator tem várias marcas do diretor: é a história de um homem contra todos, não tem pudores para expor a violência e traz um monólogo memorável do protagonista à frente do espelho.
4) Scarface (1983)

De Brian De Palma. A releitura do clássico Scarface: A Vergonha de uma Nação (1932) só alcançou o status de filmaço ao longo do tempo. Na época de seu lançamento, foi ignorado no Oscar, sofreu muitas críticas negativas e chegou a receber uma indicação ao Framboesa de Ouro de pior direção.
Al Pacino interpreta Tony Montana, é um cubano exilado que sobe meteoricamente no universo criminal de Miami. Em uma cena que se tornou antológica, o protagonista, depois de cheirar uma montanha de cocaína, precisa enfrentar sozinho o exército enviado por um traficante rival. Empunhando um rifle M-16A1 equipado com um lançador de granada, ele profere uma frase que virou um ícone na cultura pop: "Say hello to my little friend!".
5) Gladiador (2000)

De Ridley Scott. Vencedor do Oscar em em cinco categorias — melhor filme, ator (Russell Crowe), figurinos, som e efeitos visuais —, foi também um campeão de bilheteria. O personagem vivido por Crowe é um fictício general romano, Maximus Decimus Meridius, que comanda uma vitoriosa batalha contra as tribos germânicas.
Quando o imperador Marco Aurélio (Richard Harris) morre, é sucedido por seu filho, o incapaz, mas maquiavélico Commodus (Joaquin Phoenix). Maximus, então, vira escravo e depois gladiador. No Coliseu, chega a enfrentar um tigre — que era de verdade, e não digital. O diretor conseguiu um notável equilíbrio entre as cenas de ação e o drama político. E os roteiristas cunharam frases imortalizadas, como "O que fazemos em vida ecoa na eternidade".
6) A Viagem de Chihiro (2001)

De Hayao Miyazaki. Vencedor do Oscar de melhor longa de animação, é um dos mais belos filmes já feitos. Não à toa, em janeiro de 2024, o ator Leonardo DiCaprio disse em entrevista ao Letterboxd que havia recomendado ao diretor Martin Scorsese que assistisse a este clássico do Studio Ghibli.
Na trama, durante a mudança de casa, uma menina de 10 anos depara com um mundo de deuses, bruxas e espíritos, faz amigos e inimigos e aprende lições de solidariedade e humildade.
7) As Branquelas (2004)

De Keenen Ivory Wayans. Não faltam críticas às piadas escatológicas e vulgares, ou até politicamente incorretas. Mas As Branquelas também é uma sátira mordaz sobre os estereótipos raciais e culturais presentes na sociedade dos EUA.
Na trama, dois atrapalhados agentes do FBI, os irmãos negros Marcus e Kevin (encarnados pelos manos Marlon Wayans e Shawn Wayans), acabam se disfarçando como duas irmãs loiras, as patricinhas Tiffany e Brittany. Um dos momentos icônicos até que é comportado: a interpretação de Terry Crews, no papel de Lattrell Spencer, para a música A Thousand Miles, de Vanessa Carlton.
8) O Plano Perfeito (2006)

De Spike Lee. Assaltantes vestidos com uniformes de pintor invadem um movimentado banco em Nova York e fazem reféns. A polícia chega ao local esperando resolver a situação rapidamente, mas os detetives vividos por Denzel Washington e Chiwetel Ejiofor se surpreendem com a inteligência e a frieza do líder dos bandidos (Clive Owen).
O elenco de luxo inclui Jodie Foster, Willem Dafoe e Christopher Plummer. Como este é um filme de Spike Lee, saiba que não será apenas um filme de assalto.
9) À Procura da Felicidade (2006)

De Gabriele Muccino. Às vezes, precisamos de um filme catártico, um personagem que não desiste, mesmo diante de muitos obstáculos e sofrimentos, uma história inspiradora — se for baseada em um drama real, melhor ainda.
Will Smith concorreu ao Oscar na pele de Chris Gardner, que, na San Francisco dos anos 1980, aceita um estágio não remunerado em uma corretora da bolsa de valores na esperança de ser contratado. Assim, poderia sustentar o filho pequeno (vivido pelo filho do próprio ator, Jaden Smith). Eu choro sempre que vejo.
10) Desejo e Reparação (2007)

De Joe Wright. Vou ser sincero: coloquei este na lista porque já há muito tempo digo para mim mesmo que tenho de rever a adaptação do romance Reparação, de Ian McEwan.
Na Inglaterra às vésperas da Segunda Guerra Mundial, uma adolescente aspirante a escritora, Briony Tallis (Saoirse Ronan), assiste, pela janela do seu quarto, uma discussão da sua irmã, a jovem de alta classe Cecilia (Keira Knightley), com o filho da governanta, Robbie (James McAvoy). Com olhos imaturos e fantasiosos, Briony faz uma acusação que mudará o curso de várias vidas.
11) Jogo de Cena (2007)

De Eduardo Coutinho. Autor de Cabra Marcado para Morrer (1984) e de Edifício Master (2002), o mestre brasileiro dos documentários embaralha a cabeça do espectador, desafiado a descobrir o que é uma fala real e o que é um texto decorado.
Mulheres comuns contam histórias tocantes de perdas e traumas, outras de superação, algumas de humor peculiar. Atrizes como Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão reproduzem esses depoimentos, reinterpretados com as ferramentas da dramaturgia. E essas estrelas foram instigadas pelo diretor a revelar fatos de sua vida pessoal. É um jogo de espelhos cheio de labirintos.
12) Abutres (2010)

De Pablo Trapero. Às vezes, precisamos de um filme argentino, uma história que conjugue dramas pessoais com crítica social — se for estrelada por Ricardo Darín, melhor ainda.
Aqui, o ator interpreta Sosa, um advogado que ganha dinheiro ajudando vítimas de acidentes a receber indenizações. A ênfase não está em ajudar as pessoas, mas em ganhar dinheiro. O coração de Sosa vai amolecer ao conhecer a médica socorrista Luján (Martina Gusmán). Ambos são personagens ambivalentes, cheios de qualidades mas igualmente de defeitos, o que por si só faz com que a trama fique longe de ser previsível.
13) Elena (2012)

De Petra Costa. Trata- se do poético inventário de um prolongado luto. Ao recriar os passos da sua irmã mais velha, Elena, e tentar compreender os caminhos, desvios e o atalho por ela tomados, a diretora mineira revive uma dor que trazia entranhada desde os sete anos.
Em Nova York, onde a mana sonhava em seguir carreira de atriz, a documentarista percorre ruas e lugares guiada pelos relatos em fitas cassete enviados à família. O passado ressurge em filmes e vídeos caseiros que atestam a amorosa relação entre as duas irmãs. Cenas dramatizadas, como as de Petra e sua mãe boiando sobre a água, sublinham elementos elegíacos e etéreos.
14) Moonrise Kingdom (2012)

De Wes Anderson. Os filmes do diretor texano podem, às vezes, ser muito bonitos mas também muito frios e cansativos. Não é o caso desta comédia dramática, na qual Anderson imprimiu suas marcas autorais, como o tom fabular, os personagens cartunescos, o virtuosismo técnico, a primorosa direção de arte e o elenco estelar — Bill Murray, Frances McDormand, Edward Norton, Tilda Swinton, Bruce Willis...
Seus protagonistas são Suzy Bishop (vivida por Kara Hayward) e Sam Shakusky (Jared Gilman), ambos com 12 anos, que se descobrem subitamente apaixonados e decidem fugir para seu idílio, o paradisíaco "Reino do Nascer da Lua". O detalhe é que eles moram numa diminuta ilha e, portanto, serão logo encontrados pelos pais de Suzy, pelo grupo de escoteiros de Sam e pelo único policial do lugarejo.
15) O Predestinado (2014)

De Michael Spierig e Peter Spierig. O filme começa com uma promissora narração em off, dessas que remetem ao cinema noir e que, de cara, estabelecem um dilema moral: "E se eu pudesse colocá-lo na sua frente? O homem que arruinou sua vida. Se eu pudesse garantir que você escaparia impune, você o mataria?". O personagem de Ethan Hawke precisa voltar no tempo para impedir que um terrorista detone uma bomba em 1975, matando 10 mil pessoas em Nova York.
Os diretores não centram foco em cenas de ação ou efeitos visuais: o grande lance é o quebra-cabeças a ser montado. Este é um dos mais intrigantes títulos sobre as viagens temporais, seus paradoxos e suas consequências, as interligações entre passado, presente e futuro, os desvios possíveis e a inevitabilidade de alguns destinos. Você vai querer ver de novo. Talvez você precise ver de novo.
16) Invasão Zumbi (2016)

De Yeon Sang-ho. Adoro filmes de terror que conseguem provocar tanto medo quanto reflexão, que oferecem uma tensão desgraçada ao mesmo tempo em que permitem uma leitura sociopolítica.
Os agressivos mortos-vivos que se multiplicam em um trem para Busan, na Coreia do Sul, nos lembram que, a qualquer momento, as circunstâncias (políticas, econômicas, sanitárias etc) podem tornar irreconhecíveis as pessoas ao nosso redor. Estão sempre em xeque os laços sociais e afetivos que nos dão identidade e segurança.
17) Atlantique (2019)

De Mati Diop. Ambientado no Senegal, mistura gêneros como romance e terror para contar a história de Ada (Mame Bineta Sane), jovem prometida ao rico Omar (Babacar Sylla), mas apaixonada pelo pobre Souleiman (Ibrahima Traoré), operário que sonha em migrar para a Europa.
O mar é um personagem tão importante quanto a forte protagonista de Atlantique. Suas ondas podem prenunciar o infortúnio ou trazer a esperança; sua imensidão simboliza o tamanho de um amor ou a extensão de um sistema opressor para com as mulheres; sua cor inspira a fotografia, com azuis e verdes predominando; seus sons acalmam, hipnotizam, seduzem.
18) Joias Brutas (2019)

De Ben Safdie e Josh Safdie. Adam Sandler tem um dos melhores desempenhos de sua carreira no papel de Howard Ratner, um joalheiro judeu de Nova York viciado em jogos de azar — aposta fortunas no fortuito, como qual time vai começar com a posse de bola em uma partida de basquete.
Para cobrir dívidas com agiotas perigosos, ele tenta fazer o negócio de sua vida com uma pedra preciosa contrabandeada da África. Entrementes, Howard está em processo de separação, mas esconde isso dos filhos e dos demais parentes, e namora uma empregada de sua loja (Julia Fox) mais interessada nos mimos do que nos sentimentos do sujeito. Em torno desse personagem, os irmãos Safdie constroem uma atmosfera opressiva e asfixiante — vide sua joalheria, um espaço pequeno e com um sistema de portas de segurança.
19) O Discípulo (2020)

De Chaitanya Tamhane. Ganhador do prêmio de roteiro no Festival de Veneza, é sobre o processo de autoaperfeiçoamento de um jovem cantor de ragas, elemento central e transcendental na música clássica indiana. O protagonista encarnado por Aditya Modak renunciou ao trabalho e postergou a vida amorosa para seguir as lições do pai já falecido e de uma mítica maestrina, Maai.
Mas o que fazer quando nossos sonhos esbarram em nossas limitações? A técnica pode compensar a falta de talento? Ao herdar ou assumir aspirações paternas e maternas, não estamos nos condenando a comparações e sufocando vocações? É possível fazer aquilo de que se gosta e, mais do que isso, ser reconhecido e recompensado?
20) Druk: Mais uma Rodada (2020)

De Thomas Vinterberg. E se ficarmos embriagados o dia inteiro? Qual será o impacto em nossa vida pessoal e no trabalho? A bebida é uma aliada, um estimulante para a coragem, a desinibição, a criatividade, ou um canto da sereia, um abismo como o daquele aforismo do escritor F. Scott Fitzgerald ("Primeiro você toma um drink, depois o drink toma um drink, depois o drink toma você")?
Na comédia dramática dinamarquesa vencedora do Oscar internacional, quatro professores de colégio em crise de meia-idade resolvem testar uma teoria: a de que nascemos com falta de álcool no organismo. Assim, Martin (o ótimo ator Mads Mikkelsen) e seus amigos passam a beber logo no início do dia. Vinterberg não é moralista nem faz apologia: mostra as consequências positivas na vida dos personagens e também as negativas. E entrega um final inesquecível que traduz essa ambiguidade.
21) Laço Materno (2020)

De Tatsushi Omori. Uma vez, escrevi que não pretendia voltar a vez este filme japonês, por causa de sua tristeza avassaladora e impregnante, que crava no nosso íntimo. Mas acho que encararia de novo a via-crúcis vivida por Shuhei (interpretado por Sho Gunji na infância e por Daiken Okudaira na adolescência), um menino que mora com a mãe, Akiko (Masami Nagasawa, em desempenho ao mesmo tempo cativante e revoltante).
Já nas cenas iniciais, percebemos a toxicidade daquela relação. Sim, Akiko é capaz de lamber o joelho esfolado do filho, mas logo fica claro que ela só tem olhos para o próprio prazer. O diretor aperta e machuca o coração do espectador sem precisar usar necessariamente as mãos — a violência é sobretudo psicológica. O laço materno é como a corda no pescoço do enforcado.
22) Meu Pai (2020)

De Florian Zeller. À primeira vista, o filme que ganhou o Oscar nas categorias de melhor ator (Anthony Hopkins) e roteiro adaptado pode causar uma sensação de déjà vu: mais uma obra sobre como a perda da memória, a demência, o Alzheimer etc afetam os relacionamentos familiares e/ou amorosos. À primeira vista, o protagonista octogenário acha que sua filha, Anne (Olivia Colman), está o abandonando em Londres para ir morar em Paris com um homem que conheceu há pouco tempo. À primeira vista, o espectador acha que entende o que está acontecendo e aonde isso vai dar.
Mas daí o personagem de Hopkins surpreende-se com a presença de um sujeito lendo o jornal na sala de seu belo apartamento, e depois o personagem não reconhece mais a filha — nem nós reconhecemos, pois é a atriz Olivia Williams quem surge como Anne. É então que Meu Pai começa a se mostrar um filme sobre memória, demência, Alzheimer etc diferente de todos os que já vimos.
23) As Mortes de Dick Johnson (2020)

De Kirsten Johnson. Dá para fazer uma sessão dupla de Meu Pai com este filme bonito e estranho sobre um pai que, mais cedo ou mais tarde, vai morrer.
Documentarista estadunidense, a filha do octogenário viúvo Dick Johnson resolveu homenageá-lo em vida, antes que a morte levasse seu corpo ou, no mínimo, sua memória ficasse gravemente comprometida pelo Alzheimer. Kirsten fez também uma homenagem ao cinema, capaz de eternizar as coisas e as pessoas, e capaz também de matar sem matar. Você entenderá ao assistir a este documentário feito com muito amor e, surpreendentemente, humor.
24) Bo Burnham: Inside (2021)

De Bo Burnham. É um filme? É um especial de comédia? É um musical? É um monólogo? É um registro documental sobre a vida durante a pandemia? É um relato inovador sobre uma crise existencial? É uma reflexão sobre como as redes sociais podem aproximar e estimular o conhecimento, mas também fomentar o ódio e valorizar a futilidade?
Parafraseando uma das canções do comediante estadunidense, que filmou e editou tudo sozinho em sua casa, durante o isolamento imposto pela covid-19, Inside é um pouco de tudo o tempo todo. Legou pelo menos um clássico: White Woman's Instagram.
25) Drive my Car (2021)

De Ryûsuke Hamaguchi. Baseado em contos do escritor Haruki Murakami, o filme japonês ganhou o Oscar internacional e o prêmio de roteiro no Festival de Cannes. Interpretado por Hidetoshi Nishijima, Yûsuke Kafuku é um ator e diretor de teatro que terá sua vida abalada por uma série de episódios, todos relacionados a perdas e a traumas. Não por acaso, os cenários principais são Hiroshima, cidade arrasada pela bomba atômica em 6 de agosto de 1945, e a ilha de Hokkaido, que convive com vulcões ativos e terremotos.
Drive my Car tem três horas de duração (2h59min, para ser exato), mas é tão imersivo que poderíamos passar mais tempo junto aos personagens, ouvindo seus longos diálogos sobre paixões, segredos e arrependimentos. Aliás, é tão intimista que realmente nos sentimos muito próximos dos personagens. Eis um filme que fica — na cabeça e no coração, ambos tentando acomodar reflexões e emoções despertadas pela história que trata de temas eternos e universais: o amor, o sexo, a morte, o luto, a inveja, a culpa, o próprio papel da arte.
26) A Noite do Fogo (2021)

De Tatiana Huezo. A cineasta observa o cotidiano de um povoado do México violentado pelo narcotráfico pelos olhos de três meninas: Ana (vivida por Ana Cristina Ordóñez González na infância e por Marya Membreño na adolescência), Maria (Blanca Itzel Pérez/Giselle Barrera Sánchez) e Paula (Camila Gaal/Alejandra Camacho).
O perigo e a morte estão sempre nas redondezas, o silêncio e a fuga são aliados vitais, o medo dita os passos — sobretudo os das mães e os das filhas, como enfatiza o título brasileiro do romance em que A Noite do Fogo se baseia: Reze pelas Mulheres Roubadas.
27) Aftersun (2022)

De Charlotte Wells. A diretora e roteirista escocesa conta a história de um pai divorciado, Calum (Paul Mescal, indicado ao Oscar de melhor ator) e sua filha de 11 anos, Sophie (Frankie Corio) durante uma viagem de férias pela Turquia, na década de 1990, quando a Macarena ainda era coqueluche mundial. Há uma terceira personagem importante em Aftersun: a Sophie 20 anos mais velha (Celia Rowlson-Hall). Ela surge no reflexo de uma TV, assistindo às cenas do passeio gravadas por uma filmadora caseira. Seu olhar melancólico alerta: naqueles dias ensolarados, em meio aos banhos de piscina e aos mergulhos no mar, às tardes no fliperama e às noites no karaokê, algo aconteceu, algo se perdeu, algo se quebrou.
Mas o quê?, pode se perguntar o espectador diante da doçura com a qual Calum trata a filha e da adoração que ela tem por ele. Aqui está o ponto: agora adulta, Sophie pode, por mais doído que seja, vasculhar suas memórias à procura das fissuras que não enxergamos na infância.
28) Close (2022)

De Lukas Dhont. A abordagem é tão realista, tão naturalista, que por instantes podemos achar estar assistindo a um documentário. Mas essa impressão é logo desfeita pelo talento do ator novato Eden Dambrine. Seu rosto (sobretudo seu olhar) e seu corpo prescindem da palavra para transmitir todos os sentimentos e dilemas do protagonista.
O personagem de Dambrine é Léo, 13 anos, filho caçula de agricultores que cultivam flores e melhor amigo de Rémi (Gustav De Waele). Ao retomarem a rotina escolar, após as férias de verão, Léo e Rémi são confrontados por perguntas curiosas e piadinhas homofóbicas de seus colegas. Cada um reage de uma maneira diferente. Close é um filme belo e triste que pergunta: por que matamos a amizade entre meninos?
29) Nada de Novo no Front (2022)

De Edward Berger. As trincheiras da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), onde morreram milhões de soldados enquanto tentavam avançar apenas alguns poucos metros no terreno, são o cenário desta adaptação alemã do livro de Erich Maria Remarque, premiada em quatro categorias do Oscar (merecia mais): melhor filme internacional, direção de fotografia, design de produção e música original.
Ao alistar-se "pelo Kaiser, por Deus e pela pátria", o jovem Paul Bäumer (encarnado por Felix Kammerer) ingressa em uma indústria da morte. As máquinas de costura em que são reparados os uniformes dos soldados que tombaram no campo de batalha matraqueiam como se fossem metralhadoras. Tudo precisa ser reciclado, tudo precisa ser passado adiante: as botas e as fardas saem de um cadáver para o próximo corpo a ser exposto às baionetas, às granadas, ao gás, ao frio, à fome, à lama.
30) RRR: Revolta, Rebelião, Revolução (2022)

De S.S. Rajamouli. A história se passa na década de 1920, quando a Índia ainda era colonizada à mão dura e sanguinária pelos britânicos. Tudo começa com a esposa do cruel governador levando para sua casa, como se fosse um souvenir, uma menina que mora em um vilarejo. O sequestro vai provocar a revolta do protetor local (N.T. Rama Rao Jr.), que arquiteta um plano para resgatar a guria. Sua trajetória vai se cruzar com a do policial Raju (Ram Charan Teja).
As três horas e sete minutos de RRR voam, porque o diretor, sua equipe técnica e seu elenco não têm medo de abraçar o exagero e o ridículo. Mais do que não temerem, fazem isso com uma paixão contagiante. É uma declaração de amor ao caráter fantástico do cinema, espaço onde tudo pode, onde a violência de mentirinha é capaz de nos fazer sofrer e sorrir na mesma cena, onde a imaginação é o limite.
Bônus: Se Algo Acontecer... Te Amo (2020)

De Will McCormack e Michael Govier. Curta-metragem também pode entrar na lista. Premiado com o Oscar, este filme de animação começa mostrando um casal separado dentro da própria casa. Aos poucos, graças a um inteligente e emotivo jogo de sombras, vamos entendendo o que os levou àquela condição e o profundo sentido do título.
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