
Como uma série com um nome tão simples e um elenco pouco conhecido se tornou, rapidamente, a mais vista na Netflix? Bem, começa justamente por aí o sucesso de Adolescência (Adolescence, 2025), produção britânica dirigida por Philip Barantini, o mesmo do filme O Chef (2021), lançada pela plataforma de streaming na quinta-feira (13).
A simplicidade do título nos lembra imediatamente da complexidade dessa faixa etária. A adolescência é um período de intensas transformações físicas, mentais, sexuais, emocionais e sociais. Em um instante, os adolescentes podem ser ainda infantis, precisando também do colo dos pais; no outro, querem os mesmos direitos e a mesma liberdade dos mais velhos.
Adolescentes têm urgências, inseguranças e explosões de hormônios e sentimentos, potencializadas na era do Instagram, do TikTok e outras redes sociais, onde estão expostos a estímulos e ataques com os quais não sabem lidar, onde não raro vivem fantasias e mantêm segredos em busca de aceitação e pertencimento. Os quatro episódios da minissérie possibilitam aos adultos espiar pelo buraco da fechadura e descobrir, por exemplo, que, na linguagem dos emojis, cada cor tem um significado próprio e um peso que pode ser insustentável.

O elenco de rostos quase anônimos — à exceção de Stephen Graham, conhecido por encarnar Al Capone na série Boardwalk Empire (2010-2014) e coadjuvante em O Irlandês (2019) e nos dois filmes mais recentes da trilogia Venom — contribui para a identificação do espectador com os personagens. Dissociados de nomes hollywoodianos, fica mais fácil acreditar que estamos acompanhando pessoas de verdade. Poderíamos ser nós vivendo aquele drama.
E que drama.
Aí está outro fator decisivo para a velocidade com a qual Adolescência virou um fenômeno popular e midiático.
Ambientada em em um subúrbio do norte da Inglaterra, a minissérie começa com a conversa casual entre dois policiais dentro de uma viatura: Luke Bascombe, interpretado por Ashley Walters, o ator principal das cinco temporadas da série Top Boy (2011-2023), conta para Misha Frank, papel de Faye Marsay (a Vel Sartha de Andor), que está comendo seis maçãs por dia para mitigar a abstinência do cigarro. Logo em seguida, eles se juntam a uma operação para efetuar a prisão de um suspeito de assassinato.
Os policiais arrombam a porta da casa da família Miller e sobem ao quarto de Jamie, 13 anos, personagem encarnado com assombro pelo estreante Owen Cooper. Jamie grita "Eu não fiz nada!" e chega a fazer xixi na calça. O detetive Bascombe gentilmente pede que seus pais providenciem outra roupa antes de levar o adolescente à delegacia, para onde também partem, atônitos, o pai, Eddie (Stephen Graham), a mãe, Manda (Christine Tremarco), e a irmã mais velha, Lisa (Amelie Pease).
O que pode passar despercebido em um primeiro momento, mas que constitui outro trunfo de Adolescência, pelo menos junto aos críticos, é que tudo isso e todas as demais cenas do episódio, até seu epílogo devastador, acontecem sem que haja um mísero corte. Cada um dos quatro capítulos é filmado em um único plano-sequência, a exemplo de longas-metragens como Arca Russa (2002), de Alexander Sokurov, Ainda Orangotangos (2007), de Gustavo Spolidoro, e o próprio O Chef, que tem a mesma parceria de Philip Barantini com o diretor de fotografia Matthew Lewis e o ator Stephen Graham, coautor do roteiro da minissérie com Jack Thorne. (Há muitos filmes que simulam a ausência de cortes, como Festim Diabólico, Irreversível, Birdman, 1917, Dois Minutos Além do Infinito e Suaves e Discretas.)
Em um impressionante trabalho técnico (vide o momento em que um aluno foge pela janela em um colégio público), a câmera acompanha os atores de forma contínua, sem interrupções, criando uma sensação de realismo, convidando à imersão e elevando a tensão. Vamos descobrir em tempo real os desdobramentos de cada cena e de cada diálogo e as reações de cada personagem.
— Stephen disse, quando estávamos escrevendo o roteiro, "nunca vá a algum lugar sem um personagem", nunca mude de cenário se não estiver sendo levado por um personagem. Então, o script é como uma corrida de revezamento — comparou Jack Thorne em uma entrevista.

O emprego do plano-sequência tem um limitador importante: a passagem do tempo. Obrigatoriamente, só se pode retratar o que está acontecendo ali e agora ao longo daqueles 50, 60 minutos. Para mostrar o desenrolar dos fatos, as consequências dramáticas e a evolução dos personagens, a solução dos roteiristas é situar cada episódio em um momento distinto na vida de Jamie, de sua família, dos colegas de escola da vítima e dos policiais envolvidos no caso.
Após o primeiro episódio, que se concentra na prisão de Jamie, a gente testemunha a investigação de Bascombe e Frank no colégio, onde fica mais iluminado o abismo que existe entre adultos e adolescentes. Sobretudo em uma sociedade na qual horas exaustivas no emprego ou no trânsito afastam os pais da classe trabalhadora de seus filhos, abrindo espaço para modelos tóxicos das mídias digitais influenciarem mentes ainda em desenvolvimento.

O terceiro episódio se passa sete meses depois e é basicamente estrelado somente por Owen Cooper e Erin Doherty (a princesa Anne na terceira e na quarta temporada de The Crown), na pele da psicóloga Briony Ariston, que está concluindo sua avaliação sobre Jamie. A sessão também é bastante reveladora sobre como garotos desorientados e desamparados diante do bullying digital e das expectativas sobre a masculinidade podem se tornar garotos perigosos de carne e osso — o teor dos diálogos remete a uma frase comumente atribuída à escritora canadense Margaret Atwood, que apresentou uma distopia misógina em O Conto da Aia: "Homens têm medo de que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo de que os homens as matem".
E o terceiro capítulo é espetacular na combinação da técnica cinematográfica (repare em como os movimentos de câmera são sutis, mas poderosos em ilustrar a dinâmica dos dois personagens e seus estados emocionais) com as atuações do elenco — Cooper demonstra desenvoltura e variação dramática promissoras, e Doherty oferece um desconfortável e doído espelho ao espectador.

Por fim, o episódio final, ambientado no dia do aniversário de 50 anos de Eddie e transitando entre a alegria, a revolta, a dor e a catarse, segue os Miller tendo de lidar com as consequências sociais, o vazio deixado em casa e, sobretudo, o sentimento de culpa: onde foi que o pai e a mãe erraram? Se é que eles erraram. Eis outra virtude de Adolescência: a minissérie evita as explicações simplistas, o que convoca todas as famílias a examinarem como anda sua relação com os filhos, os obstáculos na comunicação e a constante exposição dos adolescentes à influência das redes sociais e aos gatilhos emocionais que se multiplicam por trás da tela de um celular.
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