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A disputa do Oscar de melhor atriz é uma das mais empolgantes na 97ª premiação da Academia de Hollywood. Três das cinco indicadas chegam com chances bem concretas à cerimônia que será realizada neste domingo (2), no Dolby Theatre, em Los Angeles: Demi Moore, por A Substância, Fernanda Torres, por Ainda Estou Aqui, e Mikey Madison, por Anora.
Completam o time de concorrentes Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez, a primeira trans indicada ao Oscar de melhor atriz, mas provavelmente carta fora do baralho por causa dos posts que vieram à tona, com teor islamofóbico, xenofóbico e racista e com críticas à própria Academia de Hollywood; e Cynthia Erivo, de Wicked, que não parece ter a única artista negra da lista — vale lembrar o histórico de queixas contra a falta de reconhecimento das atrizes afro-americanas no Oscar: até hoje, apenas uma, Halle Berry, por A Última Ceia, venceu na categoria. Isso já faz 23 anos.
Demi Moore, Fernanda Torres e Mikey Madison conquistaram prêmios prévios. No Globo de Ouro, Torres venceu em drama, e Moore, em comédia ou musical. Esses dois triunfos foram repetidos no Satellite Awards. Moore ganhou no Critics Choice e no SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA. No Bafta, da Academia Britânica, deu Madison, que também recebeu o Spirit Awards, premiação das produções independentes, onde a categoria de atuação principal mistura atores e atrizes.
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A "narrativa" em torno de Demi Moore, 62 anos, é poderosa: sua personagem no filme da diretora francesa Coralie Fargeat espelha a trajetória da própria atriz, que, à medida que a idade avançou, perdeu espaço em Hollywood. Um sentimento de culpa pode pesar na cabeça dos integrantes da Academia, que adoram a oportunidade de consagrar uma volta por cima. Ainda mais por um papel corajoso, em que Moore precisou expor seu corpo e explorar vulnerabilidades.
Mikey Madison, 25 anos, atinge um raro equilíbrio em Anora: sabemos que ali está uma artista, mas também conseguimos enxergar em Ani uma pessoa real, com autenticidade, sensualidade, potestade, vulnerabilidade e até um tanto de insanidade. Impetuosa mas afetuosa, ela é o motor do filme. Premiá-la seria dar um senhor impulso a sua carreira, criando uma nova estrela em Hollywood.
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A favor de Madison, também está o aparente favoritismo de Anora para ganhar o Oscar nas categorias de melhor filme e de melhor direção, com Sean Baker.
Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, Anora venceu o PGA Awards, a premiação da Associação dos Produtores dos Estados Unidos, que costuma se mostrar bem alinhada à escolha da Academia de Hollywood. Desde o surgimento do troféu, em 1990, houve 25 coincidências em 35 ocasiões, incluindo as últimas quatro (Nomadland, No Ritmo do Coração, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Oppenheimer).
Baker recebeu o DGA Awards, o prêmio do Sindicato dos Diretores dos EUA. Desde a estreia do troféu, em 1949, apenas oito vezes o ganhador não repetiu o feito no Oscar. E as escolhas coincidiram em 25 das últimas 30 edições.
Fernanda Torres, 59 anos, é a única das cinco indicadas que concorre por um filme definido como dramático nessas premiações prévias. E, diante da implosão da candidatura de Karla Sofía Gascón, a brasileira é a única possibilidade de o Oscar ampliar seu globalismo, premiando uma atriz de fora dos Estados Unidos.
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Há também fatores afetivos que pesam positivamente. Além de esbanjar carisma nas premiações e nos programas de TV dos quais participou, Torres tem uma história pessoal bastante atraente: sua mãe, Fernanda Montenegro, disputou o mesmo prêmio por Central do Brasil (1998), mas acabou derrotada por Gwyneth Paltrow, de Shakespeare Apaixonado, em uma das escolhas mais controversas da Academia de Hollywood (entre as rivais, também havia Cate Blanchett, esplendorosa em Elizabeth). Pode ser a oportunidade de uma justiça poética.
Patriotismo à parte, eu daria o Oscar para Fernanda Torres, que recusa o melodrama e abraça a contenção no papel de Eunice Paiva. Seu equilíbrio entre o estoicismo e a esperança é resumido na cena em que contesta o fotógrafo que queria uma pose triste ou mais séria da família para uma reportagem sobre o desaparecimento de Rubens Paiva durante a ditadura militar: "Nós vamos sorrir".
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