
A partir desta quinta-feira (6), a Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana vai realizar diariamente, às 17h15min, sessões de pré-estreia do filme que ganhou no domingo (2) o Oscar de melhor documentário: Sem Chão (No Other Land, 2024). O título registra a trágica situação da comunidade palestina de Masafer Yatta, localizada na Cisjordânia. Seus moradores lidam constantemente com ameaças de expulsão e de destruição de suas casas pelo governo de Israel.
Foi a primeira vez na história que a Academia de Hollywood premiou diretores palestinos _ Basel Adra e Hamdan Ballal, que assinam a direção com os israelenses Yuval Abraham e Rachel Szor. Sem Chão também tem no currículo os troféus da International Documentary Association (IDA) e da Academia Europeia, além de ter sido laureado pelo júri e pelo público no Festival de Berlim.
Apesar das premiações e da indicação ao Oscar, Sem Chão teve dificuldade para encontrar um grande distribuidor nos EUA. Acabou lançado em um circuito limitado de salas, graças a uma colaboração entre produtores e as empresas Cinetic Media e Michael Tuckman Media. Vale contextualizar: recentemente, o presidente Donald Trump propôs que o país assuma o controle da Faixa de Gaza, com a remoção dos 2,4 milhões de palestinos do território para outro local e a construção de uma "Riviera do Oriente Médio". O mandatário da Casa Branca até compartilhou um vídeo feito com inteligência artificial (IA) que vislumbra resorts luxuosos e estátuas de ouro do próprio Trump.

Sem Chão acompanha os esforços de Basel Adra para defender sua comunidade natal, Masafer Yatta, um conjunto de vilas na região sul da Cisjordânia, ocupada pelo exército israelense. As primeiras ordens de demolição das casas datam de 1981, depois que Israel declarou a área como "zona de treinamento militar". A população palestina levou seu caso à Suprema Corte de Israel, argumentando que os habitantes vivem lá há gerações e apresentando mapas antigos que registram a presença de aldeias.
Em 2022, a Suprema Corte permitiu demolir residências e expulsar mais de mil moradores. Cenas do documentário mostram, por exemplo, uma escavadeira destruindo uma escola primária, um caminhão despejando lama em um poço e máquinas esmagando uma casa enquanto palestinos encaram soldados israelenses. Vê-se também um colono atirando no primo de Basel Adra. As imagens podem parecer repetitivas, mas a proposta dos diretores é denunciar a destruição sistemática de Masafer Yatta e uma tentativa de apagamento étnico.
Alguns dos desalojados acabam improvisando lares em cavernas. Uma menina chora, e quando perguntam à mãe se a família tem outro lugar para ir, ela diz a frase que inspira o nome original do filme: "Não temos outra terra".

Sem Chão também acompanha uma construção, que se dá em um terreno escorregadio e movediço: a aliança entre o palestino Basel Adra e um jornalista israelense, Yuval Abraham. O filme realça suas afinidades, mas não deixa de apontar as desigualdades: Basel vive com medo de um dia ser preso ou perder sua moradia, Yuval pode todas as noites voltar para casa após testemunhar uma jornada aniquilante.
E a nacionalidade do repórter gera inevitável momentos de tensão. A certa altura, um palestino pergunta a ele: "Como podemos continuar amigos, quando você vem aqui e pode ser seu irmão ou um amigo que destruiu minha casa?". Em entrevista à BBC, Yuval disse que se sentia "responsável pelo que está acontecendo com a comunidade de Basel" porque, "no final das contas, o combustível nas escavadeiras vem do meu dinheiro gasto nos impostos".
Basel Adra e Yuval Abraham retomaram esses pontos no discurso de agradecimento pelo Oscar. No palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, o palestino disse que se tornou pai há dois meses e comentou:
— Espero que minha filha não tenha que viver a mesma vida que estou vivendo agora, sempre temendo a violência dos colonos, demolições de casas e deslocamentos forçados. O filme reflete a dura realidade que temos suportado por décadas. Pedimos ao mundo que tome ações concretas para acabar com essa injustiça e interromper a limpeza étnica do povo palestino.
Yuval falou:
— Fizemos este filme, palestinos e israelenses, porque juntos nossas vozes são mais fortes. Quando olho para Basel, vejo meu irmão, mas não somos iguais. Vivemos em um regime em que eu tenho liberdade sob a lei civil, e ele atende à lei militar, que destrói a vida dele. Há um caminho diferente, uma solução política, sem supremacia étnica, com direitos nacionais para ambos os nossos povos. E eu tenho que dizer, como estou aqui, que a política externa neste país (Estados Unidos) está ajudando a bloquear esse caminho. Vocês não percebem que estamos interligados? Meu povo só estará verdadeiramente seguro se o povo de Basel for verdadeiramente livre e seguro. Não há outro caminho.
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