
Pouco a pouco, os principais prêmios do cinema vão reconhecendo o talento das mulheres atrás das câmeras.
Coralie Fargeat, que no domingo passado disputou o Oscar de melhor direção por A Substância (2024), foi apenas a nona cineasta indicada à categoria na quase centenária história da premiação de Hollywood. Mas a francesa também foi a quinta a concorrer nos últimos cinco anos, depois de Chloé Zhao, vencedora por Nomadland (2020), Emerald Fennell, de Bela Vingança (2020), Jane Campion, ganhadora por Ataque dos Cães (2021), e Justine Triet, de Anatomia de uma Queda (2023).
No Festival de Cannes, apenas na 46ª edição a Palma de Ouro foi para um filme dirigido por uma mulher: O Piano (1993), de Jane Campion (que, vale dizer, dividiu o troféu com Chen Kaige, realizador de Adeus, Minha Concubina). Quase 30 anos depois, Julia Ducournau tornou-se a segunda diretora a receber o prêmio máximo do festival francês, por Titane (2021), e dois anos depois foi a vez de Triet ser premiada, por Anatomia de uma Queda.

No Festival de Veneza, onde, em 63 edições, só quatro vezes o Leão de Ouro foi para uma cineasta, o olhar feminino conquistou um "tricampeonato" entre 2020 e 2022, com Nomadland, de Zhao, O Acontecimento (2021), de Audrey Diwan, e All the Beauty and the Bloodshed (2022), de Laura Poitras.
No Festival de Berlim, somente uma vez o Urso de Ouro foi conquistado por uma diretora entre 1951 e 2005. De lá para cá, houve seis vitórias: Em Segredo (2006), de Jasmila Zbanic, A Teta Assustada (2009), de Claudia Llosa, On Body and Soul (2017), de Ildiko Enyedi, Touch me Not (2018), de Adina Pintilie, Alcarràs (2022), de Carla Simón, e Dahomey (2024), de Mati Diop.
Para marcar este 8 de março, Dia Internacional da Mulher, fiz uma lista com filmes de 35 diretoras que foram lançados nos anos 2020, conquistaram prêmios (ou pelo menos concorreram a troféus importantes) e estão disponíveis no streaming. Clique nos links se quiser saber mais.
1) Bela Vingança (2020)

De Emerald Fennell. Carey Mulligan interpreta Cassie, que finge estar bêbada, desnorteada e desamparada em bares para atrair caras que, por sua vez, fingem não compactuar com a cultura do estupro. A cineasta inglesa ganhou o Oscar de melhor roteiro original com esta crítica mordaz à normalização da violência sexual e à culpabilização da vítima. (Para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
2) Nomadland (2020)

De Chloé Zhao. A cineasta chinesa radicada nos EUA venceu o Festival de Veneza, o Oscar, o Globo de Ouro, o Bafta e o troféu da Associação dos Produtores dos EUA com este filme que aborda um tema absolutamente contemporâneo: o impacto da recessão na vida das pessoas comuns. Com um olhar sensível tanto para os personagens quanto para as paisagens, ela acompanha o cotidiano de uma mulher de 60 e poucos anos que, após o colapso econômico de uma cidade industrial, precisa morar dentro de uma van. Encarnada por Frances McDormand, que ganhou o Oscar de melhor atriz, essa personagem passa a conviver com nômades de verdade. (Disney+)
3) Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2020)

De Eliza Hittman. A diretora e roteirista estadunidense ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim por este título delicado mas também contundente sobre uma adolescente (Sidney Flanigan) de uma cidadezinha que, após descobrir que está grávida, tenta fazer um aborto. Não é "só" um filme sobre aborto: Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre também reflete sobre a violência cotidiana que garotas como a protagonista e sua prima (Talia Ryder) sofrem. (Para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
4) Quo Vadis, Aida? (2020)

De Jasmila Zbanic. Venceu as categorias de melhor filme, direção e atriz (Jasna Duricic) na premiação da Academia Europeia e concorreu no Oscar de longa internacional, representando a Bósnia e Herzegovina. Na trama, uma tradutora da ONU tenta salvar o marido e os dois jovens filhos do Massacre de Srebrenica, perpetrado por tropas sérvias em julho de 1995. A cineasta defende a verdade como única forma de lidar com guerras e ditaduras e faz um alerta: nunca podemos fechar os olhos para os traumas do passado. (Para aluguel em Amazon Prime Video e Apple TV)
5) O Acontecimento (2021)

De Audrey Diwan. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, o filme é baseado em livro autobiográfico da escritora Annie Ernaux, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura. Está ambientado na França de 1963, mas discute um assunto sempre em pauta: o direito ao aborto. Anamaria Vartolomei interpreta Anne, uma estudante promissora que descobre ter engravidado. Em nome de seu futuro, ela decide abortar, desafiando a lei em uma jornada por conta própria. De modo seco e amparada pela atuação estoica de Vartolomei, Diwan retrata o quão solitária e também perigosa pode ser a luta das mulheres por seus direitos. (Max)
6) Ataque dos Cães (2021)

De Jane Campion. É um faroeste tardio e desconstrutivo: se passa em 1925 e desmancha a aura mítica dos caubóis. Benedict Cumberbatch encarna Phil Burbank, que estudou na prestigiada faculdade Yale mas preferiu levar uma vida de bronco. Essa vida começa a ser abalada quando o irmão dele (Jesse Plemons) se casa com uma mãe viúva (Kirsten Dunst), que tem um filho adolescente de traços e modos delicados (Kodi Smit-McPhee). Ataque dos Cães ganhou mais de 280 prêmios, incluindo o Leão de Prata no Festival de Veneza, os Globos de Ouro de melhor filme/drama, direção e ator coadjuvante (Kodi Smit-McPhee) e o Oscar de direção. (Netflix)
7) A Filha Perdida (2021)

De Maggie Gyllenhaal. Em seu primeiro longa-metragem como diretora, a atriz estadunidense disputou o Oscar de roteiro adaptado — A Filha Perdida é baseado no romance homônimo da escritora italiana Elena Ferrante. Olivia Colman concorreu ao Oscar de melhor atriz no papel de Leda Caruso, uma professora universitária que, durante suas férias em uma praia da Grécia, fica obcecada por uma jovem mãe (Dakota Johnson) e sua filha. A partir de então, Leda se vê confrontada por memórias dos tempos em que ela própria (encarnada por Jessie Buckley, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante) tinha de lidar com suas duas crianças. A trama de mistério e perigo é entrelaçada à abordagem, com despudor, de temas como maternidade, sexualidade, papéis sociais e ambição profissional. (Netflix)
8) Identidade (2021)

De Rebecca Hall. Baseado em romance de Nella Larsen, o filme que disputou premiações como o Bafta, o Globo de Ouro e o SAG Awards é ambientado na Nova York dos anos 1920. Lá, se reencontram Irene (Tessa Thompson), que se identifica como negra e está casada com um médico negro (que sonha em se mudar para o Brasil, um país onde, segundo ele, não há racismo), e Clare (Ruth Negga), que se passa por branca e tem um marido rico e preconceituoso. Amparada pela belíssima fotografia em preto e branco e por uma melancólica trilha sonora, a atriz e diretora Rebecca Hall conduz a trama de Identidade com uma delicadeza que não esconde as turbulências. (Netflix)
9) Medusa (2021)

De Anita Rocha da Silveira. Premiado em festivais como o de San Sebastian e o do Rio, é o filme de terror da bela, recatada e do lar. Mari Oliveira interpreta a enfermeira Mariana, participante de um grupo de música e dança (com figurinos e passos comportados, é claro) chamado de Preciosas do Altar. A líder é Michele (Lara Tremouroux), estrela nos cultos evangélicos do pastor Guilherme (Thiago Fragoso), que comanda uma milícia de extrema-direita e busca se eleger deputado. No palco, elas cantam versos sobre mulheres "devotas e submissas ao Senhor". Nas ruas, atacam mulheres consideradas promíscuas ou "bonitas demais". Quando uma das vítimas das blitze moralistas revida, machucando o rosto de Mariana, a protagonista se vê rejeitada e precisa lutar para se recolocar no ambiente social. Também passa a refletir sobre os ideais ultraconservadores, o radicalismo, a misoginia e a hipocrisia de seus pares, e a se interessar mais e mais pelo rumoroso caso de uma mulher desfigurada, Melissa (em participação especial de Bruna Linzmeyer). (Telecine)
10) A Noite do Fogo (2021)

De Tatiana Huezo. Ganhou menção honrosa na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, foi um dos 15 semifinalistas do Oscar de melhor filme internacional, representando o México, e valeu a Huezo uma indicação ao troféu do Sindicato dos Diretores dos EUA na categoria de estreante. A cineasta observa o cotidiano de um povoado violentado pelo narcotráfico pelos olhos de três meninas: Ana (vivida por Ana Cristina Ordóñez González na infância e por Marya Membreño na adolescência), Maria (Blanca Itzel Pérez/Giselle Barrera Sánchez) e Paula (Camila Gaal/Alejandra Camacho). O perigo e a morte estão sempre nas redondezas, o silêncio e a fuga são aliados vitais, o medo dita os passos — sobretudo os das mães e os das filhas, como enfatiza o título brasileiro do romance em que A Noite do Fogo se baseia: Reze pelas Mulheres Roubadas. (Netflix)
11) Pequena Mamãe (2021)

De Céline Sciamma. Diretora de um dos mais lindos e arrebatadores títulos do século 21 (Retrato de uma Jovem em Chamas), a francesa Céline apresenta aqui um pequeno grande filme. Pequeno porque dura apenas 70 minutos (transcorridos sem pressa nenhuma, como é característico da cineasta: sua câmera deixa que as coisas aconteçam, que os personagens sintam) e traz como protagonista uma menina de oito anos, que circula por poucos cenários. Grande porque, com uma mescla de economia narrativa e simbolismo sofisticado, Pequena Mamãe trata de temas complexos e perenes: o luto, a infância, a memória. Disputou o Bafta e o Independent Spirit Awards de longas em língua não inglesa. (Amazon Prime Video) (Amazon Prime Video e Max)
12) Pleasure (2021)

De Ninja Tyberg. É o filme que desnuda a indústria pornô. Embora não faltem cenas com pênis eretos e expostos, a ênfase está em indústria. No seu primeiro longa-metragem, premiado nos festivais de Deauville, Ghent e Gotemburgo e concorrente ao Independent Spirit Awards de melhor direção e melhor atriz coadjuvante (Zelda Morrison), a diretora sueca adota o olhar de uma atriz novata — interpretada com assombro pela estreante Sofia Kappel — para retratar o negócio do sexo explícito na Califórnia. Ganhamos acesso a bastidores que vão desde os termos de um contrato e uma espécie de glossário da profissão até as técnicas (ou mesmo improvisos) demandadas em uma produção. Pleasure acompanha a jornada de Bella Cherry, o pseudônimo artístico de Linnéa, garota de 19 anos que trocou a Suécia por Los Angeles em busca do estrelato. Mas até onde ela está disposta a ir? No fundo, este é um filme sobre as relações de poder no universo do trabalho. Sobre como podemos ser manipulados e sobre como nossas ambições podem nos dessensibilizar. No fim do dia, quem nunca se perguntou: vale a pena? (MUBI)
13) No Ritmo do Coração (2021)

De Siân Heder. CODA, o título original, é a sigla de Child of Deaf Adults, filho de pais surdos. Trata-se da versão da cineasta estadunidense para o filme francês A Família Bélier (2014). A premissa é a mesma, trocando uma fazenda por uma cidade pesqueira. A adolescente Ruby (papel de Emilia Jones) é a única ouvinte e falante entre os Rossi _ todos interpretados por atores surdos: Troy Kotsur (o pai), Marlee Matlin (a mãe) e Daniel Durant (o irmãos mais velho). Atraída por um colega de escola que canta, Miles (Ferdia Walsh-Peelo), resolve se inscrever nas aulas do coral comandado pelo professor Bernardo Villalobos (o mexicano Eugenio Derbez, equilibrando humor, rabugice e ternura). A situação acabará criando um dilema doloroso para Ruby, abrindo portas para temas como amadurecimento e pertencimento. Comovente e também divertido, No Ritmo do Coração ganhou o Oscar de melhor filme, de roteiro adaptado e de ator coadjuvante (Troy Kotsur), quatro troféus no Festival de Sundance e os prêmios de melhor elenco e ator coadjuvante no SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA. (Amazon Prime Video)
14) Titane (2021)

De Julia Ducournau. A cineasta francesa conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes com um filme em que a personagem principal é uma assassina serial que faz sexo com um carro. Como em Raw (2016), Ducournau tem uma jovem como protagonista e trabalha questões como identidade e sexualidade — na obra anterior, uma vegetariana que estuda Veterinária vira canibal. Para tanto, a diretora e roteirista não se furta de lançar mão de imagens perturbadoras e da violência gráfica. O corpo, seja o da atriz Agathe Rousselle, que interpreta a dançarina Alexia, seja o do ator Vincent Lindon, que encarna um bombeiro à procura do filho desaparecido, é um personagem à parte em Titane. (MUBI)
15) Aftersun (2022)

De Charlotte Wells. Ganhadora do troféu de melhor diretor, roteirista ou produtor estreante no Bafta, a cineasta escocesa conta a história de um pai divorciado e sua filha de 11 anos durante uma viagem de férias pela Turquia, na década de 1990, quando a Macarena ainda era coqueluche mundial. Ele é Calum, interpretado por Paul Mescal, indicado ao Oscar de melhor ator. Ela é Sophie, vivida pela novata Frankie Corio. Há uma terceira personagem importante: a Sophie 20 anos mais velha (Celia Rowlson-Hall). Ela surge no reflexo de uma TV, assistindo às cenas do passeio gravadas por uma filmadora caseira. Sophie é vista ainda no que parece ser uma festa, mas a luz estroboscópica do ambiente também funciona como uma representação do quanto a perturba revisitar suas recordações. Seu olhar melancólico completa o alerta: durante aqueles dias ensolarados na Turquia, em meio aos banhos de piscina e aos mergulhos no mar, às tardes no fliperama e às noites no karaokê, às piadas internas ("Torremolinos!") e às bebidas coloridas, algo aconteceu, algo se perdeu, algo se quebrou. Mas o quê?, pode se perguntar o espectador diante da doçura com a qual Calum trata a filha e da adoração que ela tem por ele. Aqui está o ponto de Aftersun: agora adulta, Sophie pode — por mais doloroso que seja — vasculhar suas memórias à procura das fissuras que não enxergamos na infância. (MUBI e Netflix)
16) Alcarràs (2022)
De Carla Simon. O drama espanhol que recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim é sobre uma família que cultiva pêssegos na Catalunha desde a guerra civil na Espanha. Os Solés recebem um ultimato: ou terão de devolver as terras, ou terão de mudar de negócio, instalando painéis de energia solar. Vividos por um elenco local, sem experiência, os personagens reagem cada um a sua maneira. Um se enfurece, outro tenta fingir que nada está acontecendo, um terceiro tenta se unir aos algozes para garantir emprego... Ao não eleger um protagonista, Simón enfatiza o poder da comunidade em um filme sobre como a modernidade (ou a suposta modernidade) transforma radicalmente a vida no campo. E ao não estabelecer uma narrativa com um desenvolvimento dramático mais convencional, preferindo flagrar os Solés ora em cenas de crise, ora em cenas de alegria, Alcarràs espelha a alternância de momentos bons e ruins das vidas de todos nós. (MUBI)
17) Carvão (2022)

De Carolina Markowicz. Vencedor dos troféus de roteiro, atriz coadjuvante (Aline Marta Maia) e direção de arte no Festival do Rio, o filme aborda o absurdo, a violência e a hipocrisia do Brasil. Na trama, Irene (Maeve Jinkings) e o marido, Jairo (Rômulo Braga), vivem de uma pequena carvoaria no quintal de casa, em uma cidadezinha do interior. Os dois têm um filho de seus oito, nove anos, o esperto Jean (o estreante Jean de Almeida Costa), e o pai dela, doente, não sai mais da cama, não fala, não ouve. Irene e Jairo acabam tentados a aceitar uma proposta lucrativa, mas de risco: hospedar em sua casa um desconhecido. Para o espectador de Carvão, contudo, o sujeito já tinha sido bem apresentado: Miguel, vivido pelo argentino César Bordón, é um chefão do tráfico de drogas que forjou a própria morte durante uma matança. (MUBI)
18) Klondike: A Guerra na Ucrânia (2022)

De Maryna Er Gorbach. Vencedor do prêmio de melhor direção em longas estrangeiros no Festival de Sundance e do Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim, o filme escrito, dirigido e editado por Er Gorbach se passa em 2014. Irka, a protagonista interpretada por Oksana Cherkashyna, e seu marido, Tolik, vivem em Donetsk, nas proximidades da turbulenta fronteira entre Ucrânia e Rússia. Na primeira cena, descobrimos que o casal aguarda o primeiro filho. Assim que Tolik diz que quer se mudar para longe da guerra, uma bomba destrói parcialmente a casa dos personagens. Mas Irka está decidida a ser mãe ali mesmo. Tenta manter uma rotina — ordenha a vaca, limpa a casa — como forma de lidar com o horror e o absurdo da guerra. (Belas Artes à La Carte)
19) Entre Mulheres (2022)

De Sarah Polley. Premiado com o Oscar de roteiro adaptado e indicado ao prêmio de melhor filme, está ambientado em uma comunidade religiosa isolada do resto do mundo. É 2010, mas as mulheres se vestem como se estivessem em uma época já distante e são todas analfabetas, porque estudar é proibido para elas. Todas, não importa a idade, precisam conviver com as agressões dos maridos e o abuso sexual cometido por um bando de homens. Quando descobrem que os agressores têm usado tranquilizante empregado em vacas para dopá-las, eles são presos e levados para uma cidade próxima, mas logo, logo vão voltar, afinal, a maioria dos homens compactua com a cultura do estupro. Aí, as personagens interpretadas por atrizes como Frances McDormand, Claire Foy, Jessie Buckley e Rooney Mara têm dois dias para se reunir e decidir como vão proceder: se não fazem nada, ficam e enfrentam os homens ou se vão embora. (Para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
20) A Mulher Rei (2022)

De Gina Prince-Bythewood. Esnobada no Oscar, mas concorrente no Bafta, no Globo de Ouro, no troféu do Sindicato dos Atores dos EUA e no Critics Choice, Viola Davis protagoniza este filme de ação ambientado na época da escravização dos povos africanos pelos colonizadores europeus. A trama se passa em 1823, no então poderoso Reino do Daomé, onde hoje fica o Benim. Davis interpreta Nanisca, general das Agojie, um histórico grupo de guerreiras que inspirou a guarda real da fictícia Wakanda, as Dora Milaje, em Pantera Negra. Na abertura do filme, elas libertam mulheres daomeanas que haviam sido sequestradas por traficantes de escravos de um império rival, o Oyó — personificado na imponente e aterradora figura de Oba Ade, papel do nigeriano Jimmy Odukoya. (Amazon Prime Video)
21) Suaves e Discretas (2022)

De Beth de Araújo. Filha de um brasileiro com uma chinesa-estadunidense, a diretora e roteirista acompanha em tempo real — ou seja, como se tudo tivesse sido filmado em um único plano-sequência — a primeira reunião de um grupo de mulheres neonazistas. Entre elas, está a professora de educação infantil Emily (Stefanie Estes), protagonista da trama. Ganhadora do prêmio de melhor direção no Fantaspoa, Beth de Araújo ilustra como, na casa do vizinho ou na porta ao lado, os ideais neonazistas germinam e se alastram, tendo entre os fertilizantes o ressentimento e a ignorância. Também mostra como a teoria vira prática, como uma suposta "brincadeira" pode descambar para algo muito sério. Basta uma fagulha para provocar um incêndio — e aí a masculinidade tóxica surge como outro combustível. (Looke)
22) Till: A Busca por Justiça (2022)

De Chinoye Chukwu. Danielle Deadwyler disputou o Bafta, o Critics Choice e o SAG Awards no papel de uma personagem histórica: Mamie Till-Mobley (1921-2003), que se tornou uma ativista dos direitos civis para os afro-americanos após a morte por linchamento de seu único filho, Emmett, 14 anos, em agosto de 1955, no Mississippi. A revolta e a dor compartilham as cenas de Till com a bela atuação de Deadwyler, que é sublinhada pela música composta pelo polonês Abel Korzeniowski, ora grave, ora emotiva. Na pele de Mamie, a atriz experiencia todos os estágios do luto de uma mãe que sabe o quanto seu filho sofreu (a sequência no necrotério é fortíssima) — um luto que vai transformar em luta. (Para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
23) Anatomia de uma Queda (2023)

De Justine Triet. Interpretando em francês e em inglês, a alemã Sandra Hüller tem um dos desempenhos mais elogiados dos últimos tempos na pele de uma escritora suspeita de matar o marido. A investigação traz à tona as fissuras do casamento e permite à cineasta francesa discutir o que é verdade, a ilusão das palavras e o poder das narrativas. Anatomia de uma Queda ganhou o Oscar de roteiro original e concorreu nas categorias de melhor filme, direção, atriz e edição. (Amazon Prime Video)
24) Barbie (2023)

De Greta Gerwig. A cineasta estadunidense fez em Barbie um raro tipo de superprodução: abre mão do herói masculino e, tem um discurso feminista. E ainda que traga o logotipo da Mattel nos créditos de abertura, nem a empresa fabricante da boneca escapa das críticas nesta sátira que arrecadou US$ 1,4 bilhão nas bilheterias e recebeu oito indicações ao Oscar (venceu apenas em canção original). Ao entrar numa crise existencial, começando a pensar em morte e em celulite, a protagonista vivida por Margot Robbie descobre que precisa ir para o mundo real, para encontrar a criança que brinca com ela. O Ken (Ryan Gosling) apaixonado por ela vai junto, e aí os dois percebem que, do lado de cá, há um patriarcado: são os homens que mandam e as mulheres são constantemente assediadas e menosprezadas. (Max)
25) Incompatível com a Vida (2023)

De Eliza Capai. A própria diretora é personagem deste documentário que venceu o Festival É Tudo Verdade. "Incompatível com a vida" é o termo que médicos usam para definir condições como a raríssima Síndrome de Edwards, uma alteração no cromossomo 18 com impacto em múltiplos órgãos e sistemas do bebê. Entre as principais características, estão malformações congênitas (inclusive do coração), atraso mental e atraso do crescimento. Muitos dos fetos morrem ainda durante a gestação, e os que sobrevivem não costumam passar dos dois anos de idade. A síndrome pode ser detectada durante a gravidez, o que significa que algumas mães se veem em uma situação dolorosa: carregam no ventre um filho condenado à morte. Precisam fazer o luto antes mesmo de as crianças nascerem. (MUBI)
26) Jogo Justo (2023)

De Chloe Dhomont. Este filme não ganhou nenhum prêmio, mas merecia. O longa-metragem de estreia da diretora estadunidense faz um retrato tenso e aflitivo do conflito entre o empoderamento feminino e a fragilidade masculina nos ambientes de trabalho. Em Jogo Justo, Phoebe Dynevor interpreta Emily, que precisa manter às escondidas o romance e o noivado com Luke (Alden Ehrenreich): as regras da empresa de investimentos onde trabalham não permitem que empregados se envolvam amorosamente. Quando fica vago um cargo de analista sênior, Emily ouve um rumor de que Luke será promovido, os dois chegam a comemorar e fazer planos, mas é ela que acaba escolhida pelo chefe, Campbell (Eddie Marsan, deliciosamente cínico e implacável). Agora, ela não só vai ganhar mais do que o futuro marido: também vai mandar nele no trabalho. (Netflix)
27) A Memória Infinita (2023)

De Maite Alberdi. Depois de concorrer ao Oscar de melhor documentário com Agente Duplo (2020), a diretora chilena voltou a competir na mesma categoria com este filme sobre um casal que precisa lidar com as graves consequências do Alzheimer — a esposa teme o dia em que o marido, diagnosticado há oito anos, não mais a reconhecerá. Metaforicamente, Alberdi reflete sobre a memória da ditadura militar no Chile. (Paramount+)
28) Rye Layne: Um Amor Inesperado (2023)

De Raine Allen Miller. A diretora inglesa conta a história de Dom e Yas, personagens vividos com graça, energia e química por David Jonsson e Vivian Oparah. Eles se conhecem por acaso em um banheiro unissex de uma galeria de arte. Recém-saídos de namoros fracassados, os dois discutem relacionamentos, amores, sonhos e decepções enquanto passeiam pelas ruas do sul de Londres. O cenário é um personagem à parte e a solução encontrada para apresentar flashbacks é muito bacana. Disputou o Bafta de melhor filme britânico e de melhor atriz. (Disney+)
29) De Tirar o Fôlego (2023)
De Laura McGann. Vencedor de dois prêmios no Critics Choice de documentários, o filme faz jus ao título e ao tema — o mundo do mergulho livre. O espectador pode realmente ficar sem ar ao acompanhar a história de Alessia Zecchini e Stephen Keenan, contada pela diretora e roteirista irlandesa com técnicas do suspense. Por isso, tanto melhor será a sua experiência se, como os praticantes desse esporte, você decidir submergir sem equipamento, ou seja, sem muitas informações. (Netflix)
30) Vidas Passadas (2023)

De Celine Song. O primeiro longa-metragem da diretora nascida na Coreia do Sul e radicada na América do Norte foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme e roteiro original. Jamais é manipulativo ou maniqueísta no retrato de um triângulo amoroso que pergunta: se aquela paixão do passado reaparecer, o que a gente faz? A protagonista é Nora Moon (papel de Greta Lee), sul-corana que agora mora em Nova York, onde é uma escritora casada com o também autor Arthur (John Magaro). Na outra ponta, está Hae Sung (interpretado por Teo Yoo), que era o melhor amigo de infância de Nora quando ela ainda se chamava Na Young e tinha planos de casar com ele, e que permaneceu em Seul. O que teria acontecido se Na Young não tivesse ido embora? Essa pergunta persegue Hae Sung e o impele a procurar pistas dela no Facebook 12 anos depois. (Telecine e plataformas digitais de aluguel)
31) Cidade; Campo (2024)

De Juliana Rojas. A cineasta brasileira venceu o prêmio de melhor direção na mostra Encontros do Festival de Berlim e o troféu da crítica no Festival de Gramado, que também concedeu o Kikito de melhor atriz para Fernanda Vianna. Como o uso do ponto e vírgula no título sugere, o filme conta duas histórias. Na primeira parte, Fernanda Vianna interpreta Joana, uma trabalhadora rural que, após o trágico rompimento de uma barragem, vai morar com a irmã na cidade de São Paulo. Ao mesmo tempo em que arranja emprego num aplicativo de faxinas, ela tenta encontrar elementos que a reconectem com o telúrico. Na segunda parte, dá-se o inverso: Flávia (Mirella Façanha), uma supervisora de TI, e Mara (Bruna Linzmeyer), que trabalhava na indústria de rações para animais, formam um casal que sai do urbano (eram as donas de um apartamento limpo por Joana) e vai para a fazenda que a primeira herdou do falecido pai. A natureza, a vida animal e o céu estrelado ora convidam à paz de espírito, ora as obrigam a lidar com lembranças ruins, a morte e fantasmas. A cena de sexo entre as duas personagens é uma das mais lindas dos últimos tempos. (Telecine e plataformas digitais de aluguel)
32) Dahomey (2024)

De Mati Diop. O documentário da diretora francesa de origem senegalesa acompanha a devolução de 26 tesouros saqueados pela França do antigo reino de Daomé, hoje Benim: é motivo de júbilo ou de questionamentos? Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, Dahomey entrou na lista de semifinalistas do Oscar nas categorias de filme internacional e melhor documentário. (MUBI)
33) A Primeira Profecia (2024)

De Arkasha Stevenson. É outro filme ignorado nas principais premiações (talvez por ser de terror) que eu faço questão de recomendar. O prólogo do clássico A Profecia (1976) parte de uma ótima ideia: contar a história da mãe de Damien, o Anticristo, mulher que não havia recebido atenção na franquia. A trama, a época (os anos 1970) e o cenário (Roma) convidam a diretora estadunidense a citar clássicos como O Bebê de Rosemary (1968) e O Exorcista (1973), a emular o clima da trilogia da paranoia de Alan J. Pakula e a pegar emprestado elementos do giallo. (Disney+)
34) A Substância (2024)

De Coralie Fargeat. A diretora francesa ofereceu uma experiência cinematográfica inesquecível, até para quem odiou. Apaixonadamente, Fargeat assumiu riscos ao empregar o body horror e um senso de humor grotesco para mostrar como os corpos das mulheres são objetificados e vendidos antes de serem descartados. A Substância ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes, valeu a Demi Moore o Globo de Ouro e o SAG Awards e concorreu em cinco categorias do Oscar: melhor filme, direção, atriz, roteiro original e maquiagem e cabelos (a única que conquistou). (MUBI)
35) Tudo que Imaginamos como Luz (2024)

De Payal Kapadia. O filme da diretora indiana foi o primeiro colocado na lista dos 50 melhores de 2024 pela revista britânica Sight and Sound, ficou em quinto lugar no top 10 da mítica Cahiers du Cinèma e teve duas indicações ao Globo de Ouro (melhor direção e melhor longa em língua não inglesa). Sua protagonista é a enfermeira Prabha (Kani Kusruti). Ela divide a casa com outra funcionária do mesmo hospital, a jovem Anu (Divya Prabha). Essas personagens convivem com idosas para quem os maridos são como assombrações e com jovens mães que sussurram sobre vasectomia para não precisarem ter mais filhos. Todas as mulheres têm de lidar com uma tradição da Índia: os casamentos arranjados. (Telecine)
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