A Segunda Guerra Mundial é um cenário inesgotável para a indústria cinematográfica. Sempre haverá um acontecimento a ser revelado ou finalmente encenado, um personagem a ser descoberto ou visto sob um novo ângulo. Um dos mais recentes títulos dessa extensa filmografia é A Redenção: A História Real de Bonhoeffer (Bonhoeffer: Pastor. Spy. Assassin., 2024), que estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas de Porto Alegre.
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) foi um teólogo e pastor luterano alemão que ousou se opor ao nazismo. Em maio de 1934, poucos meses antes de Adolf Hitler se tornar Führer, o religioso ajudou a fundar a Igreja Confessante, formada por dissidentes da Igreja Evangélica contrários à política e às ações empregadas no Terceiro Reich. No filme, enquanto templos substituíram a Bíblia e crucifixos por exemplares do Mein Kampf e reproduções da suástica, Bonhoeffer diz que "Deus conclama a Igreja a ser a consciência do Estado". E afirma que "o silêncio diante do mal é em si um mal".
Resumidamente, temos um personagem forte em um filme fraco. Salvam-se a direção de fotografia do britânico John Mathieson, indicado ao Oscar por Gladiador (2000) e O Fantasma da Ópera (2004), e a trilha sonora composta pelos brasileiros Antonio Pinto e Gabriel Ferreira. O primeiro joga com luzes e sombras, e a dupla musical empresta às cenas tensão e dramaticidade.
A Redenção é uma coprodução entre Bélgica e Irlanda com roteiro e direção assinados pelo estadunidense Todd Komarnicki, coautor do script de outros dois filmes baseados em histórias reais: Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), de Clint Eastwood, e O Gênio e o Louco (2019), de Farhad Safinia. O elenco é quase todo da Alemanha, mas o filme é quase todo falado em inglês — obviamente com sotaque carregado, estranhamente com algumas frases no idioma alemão. (Em Porto Alegre, porém, talvez o lançamento seja apenas em cópias dubladas.)
Jonas Dassler, que interpreta Bonhoeffer, protagonizou O Bar Luva Dourada (2019). Moritz Bleibtreu, que faz seu pai, despontou em Corra, Lola, Corra (1998) e ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim por Partículas Elementares (2006). Cunhado do personagem principal e um dos líderes do grupo de resistência contra o nazismo e conspiração para matar Hitler, o advogado Hans von Dohnanyi é encarnado por Flula Borg, o Javelin de O Esquadrão Suicida (2021). Visto em Bastardos Inglórios (2009), de Quentin Tarantino, e em Uma Vida Oculta (2019), de Terrence Malick, August Diehl vive o papel do pastor Martin Niemöller (1892-1984).
Ao contrário do que o filme sugere, Niemöller simpatizava com ideias nazistas e apoiava movimentos radicais de extrema direita. Mas depois, tanto na vida real quanto na ficção, virou um crítico de Hitler, motivo que o levou várias vezes à prisão. Durante um sermão no dia 6 de janeiro de 1946, quatro meses após o fim da Segunda Guerra Mundial, Niemöller pronunciou um texto que se tornou célebre e que é evocado em situações de regimes opressivos e perseguição política, para condenar a cumplicidade silenciosa da sociedade: "Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista. Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista. Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu. Quando vieram me buscar, já não havia mais ninguém para protestar por mim".
Os fortes discursos de Bonhoeffer e de Niemöller fizeram Todd Komarnicki refém da palavra. Seu filme é bastante calcado em diálogos longos, ora explanativos, ora filosóficos — o protagonista via a participação na resistência ao nazismo como uma decisão moral complexa, uma vez que poderia implicar a renúncia à não-violência.
Para contrabalançar o excesso de texto, Komarnicki tomou duas decisões, ambas controversas. A primeira foi adotar uma montagem que vai e volta no tempo — começa em 1945, retrocede a 1918, depois pula para os anos 1930 — e no espaço (a Alemanha, os Estados Unidos, a Inglaterra), a ponto de criar confusão. A segunda, como o subtítulo original indica ("Pastor. Espião. Assassino."), foi investir em uma tentativa de fazer um thriller, inserindo cenas de ação a despeito de haver ou não embasamento histórico. Causou polêmica, por exemplo, colocar um revólver na mão de Bonhoeffer.
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