Depois de modernizar um personagem clássico do cinema de horror em O Homem Invisível (2020), transformando-o em um símbolo dos relacionamento tóxicos, o diretor australiano Leigh Whannell recria outro monstro sagrado do estúdio Universal em Lobisomem (Wolf Man, 2025), filme que estreou nesta quinta-feira (16) em 12 salas de Porto Alegre.
O prólogo do longa-metragem é promissor. Um letreiro informa que em 1995 um homem desapareceu nas florestas do Oregon, nos Estados Unidos, onde contraiu a "febre das colinas" — ou a "cara de lobo", segundo os indígenas. Neste lugar ameaçador, Grady Lovell (papel de Sam Jaeger), um misto de caçador com paramilitar, cria sozinho e sem muita ternura seu filho pequeno, Blake. Preocupado com a criatura que vive nas redondezas, quer preparar o guri para a sobrevivência — "Morrer é a coisa mais fácil no mundo", ensina. A tensão é palpável, e Whannell acerta ao dedicar mais tempo à sugestão do que ao choque.
Trinta anos depois, encarnado pelo expressivo Christopher Abbott (de Ao Cair da Noite e Possessor), Blake é ele próprio um pai — mas tão amoroso que sua esposa, a jornalista Charlotte (Julia Garner, vencedora de três Emmys de melhor atriz coadjuvante pela série Ozark), chega a invejar a ligação que ele tem com a filha do casal, a adorável Ginger (Matilda Firth). Logo percebemos que o personagem decidiu ter com a menina um relacionamento oposto àquele que tinha com o seu pai.
Mas é muito difícil, se não for impossível, escapar da nossa criação. Grady deixou marcas indeléveis, em Blake, como a proteção obsessiva. Ele reflete: "Temos tanto medo de que algo traumatize nossos filhos que acabamos sendo aquilo que os traumatiza".
Blake parece um cara sensato, mas quando recebe uma carta informando que seu pai desaparecido foi declarado legalmente falecido, resolve convencer a família a passar uma temporada na mesma casa onde viveu seus piores pesadelos e de onde fugiu assim que teve idade para isso. Essa incoerência é difícil de engolir, mas sem ela o filme acabaria ali mesmo. O que talvez fosse bom.
Lobisomem é um filme que uiva muito — ou seja, promete assombrar, quem sabe até "falar" sobre temas interessantes — mas morde pouco. A partir do momento em que a família de Blake embrenha-se nas florestas do Oregon, vai paulatinamente se tornando um filme genérico de sobrevivência a um monstro/assassino — com direito a surrados sustos potencializados pelos efeitos sonoros ou pela música e à rapidíssima evolução de Charlotte de repórter workaholic da cidade em mamãe duro na queda no mundo rural. Em nome das convenções do gênero, fica em segundo plano uma bela ideia, a de focar menos no animal que existe dentro de nós e mais na humanidade que o mantém sob controle, como bem resumiu o crítico David Ehrlich no site IndieWire.
Menos mal que Leigh Whannell é um cineasta hábil na construção da tensão e na explosão do terror — vide o uso de janelas embaçadas em uma velha caminhonete. Também conta pontos a favor a sua decisão de evitar computação gráfica: segundo Whannell, o lobisomem é "100% efeitos práticos", com próteses e outros recursos de maquiagem. Porém, se isso empresta realismo à criatura, por outro lado pode frustrar fãs das peludíssimas encarnações anteriores do personagem e apreciadores de transformações corporais bem detalhadas.
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