
Uma pessoa desaparecida durante a enchente de 2024 aparecer viva quase um ano depois deveria ser motivo de comemoração. Só não é porque comprova a existência de um grupo de pessoas que poderiam ser chamadas de invisíveis para o setor público e atesta a falta de comunicação entre diferentes órgãos no manejo de dados em plena era digital.
Como é possível que só agora, às vésperas do aniversário da enchente, se descubra que José Everaldo Vargas de Almeida, dado como desaparecido, foi encontrado com vida em Canoas?
À época da enchente, tudo era caos. Pessoas perderam seus documentos e precisaram percorrer um longo caminho até recuperar a identidade civil. A lista de mortos e desaparecidos era atualizada com frequência, conforme se identificavam os corpos ou se localizavam aqueles com quem as famílias tinham perdido contato. Seu José Everaldo ficou no limbo.
Ainda são 25 os desaparecidos. Depois do seu José, quem sabe estejam vivos por aí, porque ninguém lembrou de avisar a Defesa Civil municipal ou estadual.
Neste ano em que permaneceu invisível, seu José não precisou do Estado para nada? Ou foi atendido em uma Unidade Básica de Saúde cujo sistema não conversa com os computadores da Defesa Civil ou da Secretaria da Segurança Pública.
A invisibilidade se estende a milhares de pessoas que estão com os documentos em dia e nunca constaram das listas de desaparecidos. Ela pode ser traduzida nas palavras de dona Nairde, que estava assistindo ao Bom Dia Rio Grande e resolveu interromper o café da manhã antes do trabalho para ir abraçar o repórter Josmar Leite, por ter ido a Canoas falar direto de um dos locais afetados pela enchente.
Dona Nairde está entre os que se sentem esquecidos pelas autoridades. São milhares os que ainda esperam pela casa prometida, pela recuperação da rua, pelo conserto do dique, temerosos de que uma nova enchente venha a assombrá-los no futuro.