Meus pais foram agricultores familiares desde crianças. Digo crianças porque naquele tempo não se falava em trabalho infantil. As famílias pobres viviam do que plantavam e dos animais que criavam, o que exigia o envolvimento de todos nas tarefas cotidianas. Trabalhava-se do amanhecer ao anoitecer, sem folga aos domingos e feriados, porque há certas atividades, como tirar leite e tratar os animais, que precisam ser feitas sete dias por semana.
Cresci vendo meus pais acordarem cedo para tratar os animais e tirar o leite que seria tomado no café da manhã. E sempre olhando para o céu na esperança de que a chuva e o sol viessem na hora certa, rezando para Deus e Santa Clara ajudarem a garantir o tempo bom para cada necessidade. Sem esquecer São Jerônimo, o que evitava os temporais, porque se destelhasse a casa não havia Defesa Civil para recorrer.
Hoje, a cada feira agropecuária que vou e vejo o avanço da tecnologia no campo fico encantada com as máquinas que parecem saídas de filmes de ficção e que fazem de tudo nas lavouras. Não só essas, que custam milhões, mas as mais simples, destinadas aos produtores de alimentos que têm pequenas áreas de terra e dela sobrevivem. Minha família só conheceu trator, um Massey Ferguson, quando o alemão Arnildo Dierings comprou a terra vizinha à nossa e nos apresentou os primeiros implementos agrícolas a rasgarem o chão naquele Rio Grande profundo.
Meu pai ainda lavrava e gradeava a terra usando uma junta de bois como motores do arado e da grade, um triângulo equilátero de madeira com pinos de ferro que desmanchavam os torrões. Não se usavam agrotóxicos e era preciso limpar as lavouras usando a enxada ou a capinadeira, uma evolução puxada a cavalo. Foi esse o meu primeiro trabalho na roça: conduzir o cavalo no turno inverso da escola, ali pelos oito anos, para que puxasse a capinadeira que meu pai dirigia arrancando as ervas daninhas.
Bom era o trigo, plantado no inverno, e que não precisava capinar. Mas a colheita tinha de ser rápida e só os braços do pai e da mãe eram insuficientes para cortar toda a produção em um único dia. Então se fazia o mutirão, um exemplo de solidariedade que haverá de me acompanhar para sempre. Os vizinhos vinham com suas ceifas (pequenas foices para cortar o trigo e arroz acocorados) e em um dia cortavam tudo. Ao fim do dia, a coluna pedia socorro, mas as dores eram combatidas com chá e Fontol. Logo era outro vizinho fazendo o mutirão e lá iam todos, a pé ou a cavalo, ajudar na colheita.
No início, trigo, arroz e feijão eram separados da palha batendo com o manguá. Para quem não conhece, são dois pedaços de madeira, um longo e fino, outro curto e grosso, amarrados por uma tira de couro. Batia-se na planta espalhada sobre um pano de algodão no terreiro, depois peneirava-se para limpar a sujeira restante. Logo veio a trilhadeira, uma invenção divina, puxada por uma junta de bois e movida a diesel: a planta recém colhida entrava por uma espécie de plataforma na frente, soltava a semente limpinha por um cano lateral e cuspia a palha pela parte traseira. Cada quatro latas davam um saco e então se media a produção.
Debulhar milho era outra tarefa comum às crianças. A família sentava-se em círculo e cada um ia, no seu ritmo, separando a semente do sabugo. A pele dos dedos ficava esfolada, mas era a vida cotidiana naqueles anos de 1960, antes de eu sair de casa, aos 10 anos, para estudar, porque meu pai queria para os filhos um destino melhor do que o dele.