O jornalista Bruno Pancot colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Acostumados a lidar com a precariedade e a insuficiência de serviços públicos nas periferias, moradores e líderes comunitários receberam na tarde fria e chuvosa desta quarta-feira (9) a visita de dois convidados inusitados para uma roda de conversa no Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre. Durante duas horas, o governador Eduardo Leite e o filósofo norte-americano Michael Sandel, que está na Capital para palestrar no Fronteiras do Pensamento, ouviram uma série de demandas das comunidades.
Durante a dinâmica, os participantes sentaram-se em forma de círculo no pátio coberto da Escola Municipal Morro da Cruz. Na primeira rodada do diálogo, Sandel questionou os líderes sobre qual a mais importante mudança que eles gostariam de alcançar juntos, como membros de comunidades. A maioria respondeu elegendo a educação como porta para a transformação social e geração de perspectivas para os jovens.
— Meus pais acreditaram muito na minha educação e a gente se esforçou muito para eu entrar no ambiente em que eu vivo hoje. Eu quero que seja um ambiente onde eu não precise furar bolhas, que não seja um negro numa escola de classe alta por causa de bolsa, não seja um negro em mil (alunos) na faculdade porque não se consegue ir para as escolas, porque os ônibus estão quebrados — relatou Víctor Cabreira de Oliveira, que estuda em um colégio particular e sonha em ingressar em Harvard.
A estudante Erika Jamile contou que o colégio onde estuda, a Escola Estadual Doutor Martins Costa Junior, enfrenta situação precária, com telhado quebrado e risco de queda de um muro.
— Eu estudo na frente de uma escola particular. A gente fica numa tristeza de ver a nossa escola, o nosso muro caído, e olhar para o outro lado e ver que o muro deles é melhor que o nosso — lamenta a adolescente.
Em mais de uma oportunidade, enquanto respondiam às questões do filósofo, os líderes fizeram cobranças direcionadas ao governo do Estado, dizendo que "tudo chega por último" nas comunidades. Por outro lado, reconheceram o ato de Leite de subir o morro para escutar as vozes da periferia.
— Eu sei que o poder público é muito ausente por problemas históricos. Nosso dinheiro é curto, assim como é curto no orçamento doméstico de cada um de vocês, e as demandas são gigantescas. O que fica desse encontro é o valor do diálogo — avaliou o governador, dizendo que pretende fazer novos encontros em comunidades.
No encerramento do diálogo, Sandel fez um elogio aos líderes:
— Muita gente acha que a cidadania se resume a votar nas eleições. Vocês mostraram com a força de vocês que a democracia é muito mais que isso — concluiu o filósofo.
A roda de conversa com Sandel e Leite é um encontro preparatório para o 2º Congresso Popular de Educação para a Cidadania (CPEC), evento que tem o objetivo de debater a educação como pilar de mudança e acesso à cidadania. As reuniões preparatórias são realizadas em diferentes regiões periféricas da cidade para colher sugestões das comunidades.
O 2º CPEC é uma correalização dos coletivos Poa Inquieta e Ponta Cidadania, com patrocínio do governo do Estado e do Consulado-Geral dos Estados Unidos em Porto Alegre.