A História registrará que no bicentenário da Independência do Brasil os chefes dos Poderes andavam às turras e a comemoração foi ofuscada pelas disputas políticas. Assim como lembramos de como foram os 150 anos e os livros registram o que ocorreu no centenário, lá em 1922, no futuro os escafandristas tentarão, como na música Futuros Amantes, de Chico Buarque, decifrar “o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, vestígios de estranha civilização”.
Nós, que testemunhamos este bicentenário, guardaremos na memória o que não ocorreu. No palanque do 7 de Setembro, onde deveriam estar os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, se destacava, ao lado do presidente da República, uma figura folclórica, de terno verde e camisa amarela. Essa “instalação” da bandeira nacional aparece em parte das fotos e dos vídeos entre Jair Bolsonaro e o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, o que os historiadores do futuro talvez demorem a compreender.
O senador Rodrigo Pacheco, o deputado Arthur Lira e o ministro Luiz Fux foram convidados para o desfile de 7 de Setembro, mas não compareceram, temendo que o ato cívico se transformasse em comício. Em represália, o presidente Bolsonaro boicotou a sessão solene do Congresso nesta quinta-feira (8).
Nas fotos da sessão conjunta da Câmara e do Senado, Bolsonaro é a única autoridade ausente. Lá estão os convidados estrangeiros que prestigiaram o ato na Esplanada dos Ministérios: além de Marcelo Rebelo de Souza, os presidentes de Cabo Verde, José Maria Neves, e de Guiné Bissau, Umaro El Mokhtar Sissoco, o representante da Comunidade de Países da Língua Portuguesa, secretário-executivo Zacarias da Costa, e o deputado Sérgio José Camunga Pantie, representante da Presidência de Moçambique.
O presidente de Portugal fez o último discurso. Aplaudido de pé, Marcelo Rebelo mostrou por que é tão querido em Portugal. Fez um relato da história que une os dois países, destacando a luta de mais de 300 anos pela Independência do Brasil. Agradeceu aos brasileiros por sua extensa produção literária, poética e musical e citou alguns dos autores que boa parte dos políticos brasileiros não sabe de quem se trata: Mário de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Mario Quintana, Lygia Fagundes Telles, Vinícius de Moraes, Cartola, Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Cazuza, entre outros.
— Agradeço a pujança do vosso povo irmão, espalhados por todos os continentes e agora invadindo Portugal com seu abraço. Para esses irmãos brasileiros lá chegados, vai o carinho do povo português. Há 200 anos, Dom Pedro de Alcântara deu corpo ao arranque da vossa caminhada do futuro. Hoje, um humilde português dá testemunho de renovada gratidão, de renovada homenagem, de orgulho pelo segundo século de uma caminhada ainda tão longe de seu termo. Que o Brasil continue a ser a pátria da liberdade, da democracia e da justiça.