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De fato, nenhum tiro foi disparado em 2022 quando o Brasil esteve próximo de um golpe cívico-militar comandado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo general Braga Netto, seu vice na chapa derrotada nas urnas. Isso não significa que os golpistas ficaram só no planejamento. A denúncia da Procuradoria-Geral da República mostrou no encadeamento dos fatos que a execução começou, mas não foi adiante porque esbarrou na solidez das instituições democráticas.
Para não comprometer o entendimento do que ocorreu em 2022 é preciso, primeiro, evitar comparações com 1964 ou outros casos da História do Brasil. Cada golpe tem a sua dinâmica. O abortado em 2022 tinha uma lógica própria, que implicava criar o caos para dar a Bolsonaro o pretexto de decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
A permanência de manifestantes em frente aos quartéis (financiados pelo agro, segundo a delação de Mauro Cid) era uma forma de criar a agitação política que poderia justificar a GLO, mas não bastava, até porque foram manifestações pacíficas. No dia da diplomação dos eleitos houve a primeira tentativa robusta de criar o caos, quando manifestantes vestidos de verde e amarelo incendiaram carros e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília.
Sem apoio dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Bolsonaro não tinha como pôr em prática as medidas planejadas, que incluíam o estado de sítio. A rebelião foi contida, o presidente e o vice foram diplomados e tudo caminhava para a normalidade quando se descobriu, às vésperas do Natal, o plano para explodir um caminhão-tanque de combustível no Aeroporto de Brasília. Um atentado terrorista que, se tivesse dado certo, exigiria medidas duras. Felizmente, o terrorista era amador, a bomba não explodiu e 2024 chegou ao fim.
Sem conseguir provar sua tese de fraude na eleição, Bolsonaro voou para os Estados Unidos, onde já estavam a mulher, Michelle, e a filha. Os manifestantes seguiram em frente aos quartéis. No dia 8 de janeiro houve a tentativa derradeira de desestabilizar o governo, com a marcha que culminou na depredação do Palácio do Planalto e das sedes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Lula determinou intervenção na segurança pública do Distrito Federal, que estava acéfala com a viagem do secretário Anderson Torres (e também ex-ministro da Justiça de Bolsonaro) para a Flórida e a manifestação foi dispersada.
Dois anos se passaram e o quebra-cabeças foi montado com peças que que a Polícia Federal colheu durante a investigação, seguindo o roteiro traçado por Mauro Cid na delação premiada. O golpe não se consumou porque as Forças Armadas, diferentemente de 1964, optaram por respeitar a Constituição.