Prêmio Nobel de Literatura de 2015, a ucraniana Svetlana Aleksiévitch, autora de obras-primas como A guerra não tem rosto de mulher, O fim do Homem Soviético e Vozes de Tchernóbil, construiu sua carreira dando voz aos personagens e deixando fluir o pensamento sem interferir.
Na entrevista do presidente do conselho de administração da Unimed Porto Alegre, Flávio da Costa Vieira, ao Gaúcha Atualidade, nesta quarta-feira (3), houve um momento que não tem como ser descrito na terceira pessoa, nem sintetizado, sob pena de perder a essência do discurso, como nos livros de Svetlana.
Com 40 anos de medicina, ele mesmo já tendo passado pela covid-19 e negligenciado os sintomas, Flávio apelou aos pacientes para que procurem o serviço de teleatendimento do seu convênio e relatem o que estão sentindo. E emendou com um desabafo que merece ser transcrito com as palavras dele:
— Estou muito preocupado, muito tenso. Estamos mal dormidos, estamos trabalhando demais. Algumas pessoas querem imputar culpa. Ao invés de falar de culpa vamos falar de responsabilidade. Os gestores públicos estão tomando as decisões. Certas ou erradas, o tempo vai mostrar. Na segunda-feira eu estava falando com o governador e disse a ele que os gestores têm alguma coisa semelhante ao juiz de futebol. Tu apitas o fato, tu tomas a decisão no momento. Só que na vida real não tem VAR. O juiz de futebol volta atrás, olha e muda o curso da história. A gente, como gestor, toma uma decisão e não tem VAR. Ela está tomada. Os diretores de hospitais estão fazendo o que podem, realocando áreas, comprando equipamentos. Mas os médicos, os enfermeiros, os atendentes de enfermagem estão exauridos. Eu sei que me emociono ao falar disso, mas não tenho como ser diferente. As pessoas não aguentam mais. Vocês sabem o que é lidar com pessoas graves? Ver gente morrendo a todo momento? Nós somos humanos também. Então, por favor, entendam que os hospitais estão fazendo o que podem, mas mais do que isso não dá. E vocês, da imprensa, são acusados de fazer mídia alarmista. Ora, gente, vocês não criam fatos. Vocês narram, reportam o que está acontecendo. Graças a Deus vocês fazem isso, que é para ver se as pessoas têm um pouco mais de responsabilidade. E esse é o termo que quero usar: responsabilidade. O que cada um de nós está fazendo em vez de criticar o que as outras pessoas estão fazendo? Será que eu estou fazendo na minha conduta pessoal o que eu critico nos outros? Será que quando eu olho no espelho eu digo “sim, eu hoje diz tudo o que eu precisava fazer”? Tive responsabilidade? Porque não dá mais para dizer “fique em casa”. As pessoas precisam sair. E se tiver que sair, saia com responsabilidade, higienize as mãos, use máscara sempre. Se encontrar pessoas queridas, não se abracem. Não beije, não se aproxime, por favor. Não se aglomerem. O tempo é outro.
E continuou:
— Nós estamos lutando todos contra a morte, a morte iminente, que bate na porta, e, infelizmente, as pessoas só reconhecem isso quando acontece com uma pessoa muito querida ou um familiar seu. Vocês desculpem a minha emoção, mas o momento é muito, muito difícil. Eu aqui não estou fazendo nenhuma politização, nenhuma radicalização de luta saúde versus economia. A gente ouviu vários depoimentos. O pepino está na mão de todo mundo, só que eu fui preparado uma vida inteira para lidar com saúde. Então eu estou falando de saúde. Compete às pessoas que são experts em economia ajudar. Só que a morte vai acontecer amanhã e, depois de morrer ou de ficar com uma sequela grave da doença, não tem volta. A economia nós todos vamos todos, com garra, lutar juntos para a gente recuperar. Eu falei pela Unimed, mas tenho certeza de que falei também por todos os convênios e pela saúde pública”.