Por várias semanas hesitei em ler Todo dia a mesma noite, o livro que a jornalista Daniela Arbex escreveu sobre a tragédia da boate Kiss. Não queria revisitar aquele drama, mas acabei cedendo neste fim de semana em que o calendário marca seis anos da noite em que Santa Maria virou um inferno.
Daniela saiu de Minas Gerais para tecer a história de famílias dilaceradas, de heróis até então anônimos que ajudaram no salvamento, de sobreviventes marcados para sempre. Seu olhar estrangeiro sobre Santa Maria permitiu o distanciamento que nós, jornalistas gaúchos que lidamos com aquela tragédia desde o primeiro momento, não teríamos. Eu precisava me segurar para não chorar sempre que entrevistava um daqueles pais na Rádio Gaúcha.
Contando a história de algumas das 242 vítimas, de certa forma Daniela contou a de todos. Porque são muito semelhantes os perfis dos jovens universitários que saíram naquela noite de sábado para se divertir. A dor das famílias se iguala, ainda que cada uma tenha vivido o luto à sua maneira.
São seis anos de uma noite que não tem mais fim. Seis anos e ninguém foi punido. Seis anos e nenhuma família recebeu indenização.
Seis anos depois da Kiss, a negligência difusa produziu, lá na terra de onde Daniela saiu para nos contar a história que relatamos em capítulos diários, uma tragédia que pode ter causado mais mortos do que a de Santa Maria. Brumadinho é a Kiss de janeiro de 2019. No momento em que escrevo estas linhas são 37 mortes confirmadas e 252 desaparecidos.