A versão final do acordo de adesão ao plano de recuperação apresentado ao governo federal pelo governo de José Ivo Sartori lembra aquelas cartas de intenções que o Brasil firmava com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no século passado. Estava na cara que não teria como entregar, mas o FMI aceitava, mandava seus gerentes acompanharem o desempenho das contas e, quando o país não cumpria, concedia um “waiver”. O perdão era uma forma de não se desmoralizar.
Sartori está prometendo à Secretaria do Tesouro Nacional um conjunto de medidas que dependem do aval da Assembleia Legislativa. Fosse no início do governo, com a popularidade conferida pelas urnas, poderia aprová-las com relativa facilidade. Agora, às portas de uma campanha eleitoral e com a base capenga, será mais difícil a Assembleia aprovar medidas impopulares ou contrárias à ideologia da maioria dos deputados, como é o caso da venda de estatais.
Se não conseguiu aprovar o fim da exigência de plebiscito para vender ou federalizar a CEEE, a CRM e a Sulgás antes, o que leva o governo a imaginar que agora, mandando projetos individuais, vai conseguir? Entre os aliados, a avaliação é de que, diante do agravamento da crise e do risco de colapso dos serviços públicos, os deputados acabarão se sensibilizando e voltando atrás. É uma aposta com chances remotas de sucesso, a menos que o combinado com a União seja propor o máximo para aprovar um pacote mínimo.
A própria adesão ao acordo não é consenso. Além da oposição, que vota contra tudo o que vem do governo, os deputados autodeclarados independentes, como os do PTB, fazem ressalvas ao plano de recuperação fiscal. Luis Augusto Lara, por exemplo, costuma fazer uma comparação jocosa para dizer que as contrapartidas exigidas são muito superiores aos ganhos que o Estado terá com a adesão ao plano:
— Isso é o legítimo crédito para negativado. O banco oferece, mas o custo do dinheiro é alto demais. A dívida não vai sumir; o governo vai apenas rolar por três anos, prorrogáveis por mais três, deixando a conta para as futuras gerações. E vai se endividar para tapar o rombo de hoje.
A venda de estatais é rejeitada principalmente pelo PDT, mas deputados de outros partidos temem que o dinheiro vire pó sem que tenham sido solucionadas as causas estruturais do déficit. O empréstimo que o governo planeja tomar junto a bancos privados para colocar as contas em dia é uma antecipação do que será arrecadado com a venda de estatais, entre elas três que dependem de plebiscito. As outras são a EGR, o Badesul e a parte do Estado no BRDE.
De todos os compromissos que o Estado se dispõe a assumir com o governo federal, o mais fácil de ser aprovado é, paradoxalmente, a prorrogação do aumento das alíquotas de ICMS, que em 31 de dezembro de 2018 deverão voltar aos patamares de 2015. A manutenção do ICMS majorado interessa a todos os partidos que têm alguma perspectiva de poder. Se aprovar neste mandato, o ônus político recairia sobre Sartori, que já está desgastado ao extremo. Sem a renovação, o próximo governador terá de lidar com uma redução de pelo menos R$ 2 bilhões anuais em uma receita que já não cobre as despesas.
O congelamento dos salários até 2020 é outro ponto de discórdia, já que os servidores do Executivo (com exceção dos da área de segurança), estão sem reajuste há três anos. Deputados de diferentes partidos ponderam que Sartori não pode assumir um compromisso que extrapola o seu mandato. O fim do uso dos depósitos judiciais de terceiros, que salvou os governos de Germano Rigotto, Tarso Genro e do próprio Sartori, será mais uma camisa de força para os próximos governadores.
Aliás
A informação do secretário da Saúde, João Gabbardo, de que não foi possível pagar os hospitais e os municípios, nem mesmo os que têm decisão judicial favorável, será usada como argumento para tentar convencer os deputados avalizarem as medidas duras para aderir a plano de recuperação fiscal.