Zeloso com as palavras e dono de um vocabulário rico e rebuscado, o presidente Michel Temer atrapalhou-se para definir a chacina de Manaus. Cobrado por se manter em silêncio depois que até o papa Francisco se manifestou para lamentar, Temer resolveu falar quatro dias depois de conhecida a extensão e classificou de "acidente tenebroso" o assassinato de 56 presos.
Diante das críticas que inundaram as redes sociais, a assessoria do Palácio do Planalto apressou-se em esclarecer que "português não é um problema do presidente" e que ele baseou-se no dicionário, que trata acidente como sinônimo de fatalidade, tragédia, desgraça. Em seu perfil no Twitter, o @micheltemer, o presidente repetiu: "Sinônimos da palavra 'acidente': tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade".
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Quem frequenta dicionários sabe que nem todas as palavras que aparecem como sinônimos se aplicam a todas as situações. O Aurélio define acidente como "acontecimento casual, fortuito, imprevisto; acontecimento infeliz, casual ou não, e de que resulta ferimento, dano, estrago, prejuízo, avaria, ruína, etc., desastre".
O que houve em Manaus não foi nem acidente, nem fatalidade. Nada ocorreu por acaso. Foi a crônica de rebelião planejada. As autoridades do Amazonas sabiam que o caldeirão poderia explodir a qualquer momento, mas nada fizeram. A Polícia Federal alertou para uma possível fuga de presos, avisou que havia armas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, e nenhuma providência foi tomada para evitar o massacre.
Pelo que se conhece dessa cadeia de omissões, negligência é a palavra mais adequada para explicar a fuga de mais de cem presos e a ação dos bandidos que decapitaram rivais. O governo terceirizou a gestão para uma empresa privada que, de certa forma, a quarteirizou para as facções que comandam o tráfico de drogas.
A empresa pediu reforço de segurança no feriado de Ano-Novo e revista de presos com escolta armada. O governador do Amazonas, José Melo (Pros), disse que a responsabilidade pela segurança interna era da Umanizzare. Em meio ao jogo de empurra, as falhas começam a aparecer em série.
O impacto mundial da barbárie ocorrida em Manaus obrigou o governo federal a correr para anunciar o Plano Nacional de Segurança, prometido desde a posse de Temer, mas ainda sem os arremates. Não há definição de prazos para a implantação das medidas, que incluem a construção de novos presídios federais. Para o Rio Grande do Sul, a promessa é deR$ 65 milhões para a construção de cadeias que serão erguidas em Rio Grande e em São Leopoldo, com capacidade de 600 vagas.
Aliás
Três imóveis que o governo do Estado tem em Bento Gonçalves e que podem ser trocados pela construção de presídios foram avaliados pela prefeitura em R$ 36 milhões. A negociação avançou.