Com poucas horas de diferença, vivi no fim de semana passado a aventura de entrar na Rocinha, a maior favela do Brasil e uma das 10 maiores do mundo, e uma epifania ao caminhar no sítio Burle Marx, os jardins que se esparramam por mais de 400 mil metros quadrados na Barra da Guaratiba. Com o perdão do clichê, contraste é a palavra que define essas duas experiências.
Foi assim. Para celebrar o aniversário de Roseli, uma das minhas irmãs, planejei uma viagem surpresa de fim de semana. A ideia era despretensiosa: encontrar nossos primos cariocas, com quem ficamos muitos anos sem contato e de quem nos aproximamos recentemente. Para eles, a surpresa seria levar outra prima, que por medo de avião não conhecia o Rio de Janeiro.
Na manhã de sábado, João foi nos buscar no hotel. O combinado era encontrarmos Lilia na Restinga da Marambaia, aquela área militar que os presidentes usam para descansar isolados do mundo. Filhos de um tio que integrou a Força Expedicionária Brasileira e combateu na Itália, João e Lilia cresceram tomando banho de mar na Marambaia, que eu só conhecia do noticiário e do alto, porque gosto de sentar na janela do avião.
Quando passamos por São Conrado, contei que no Hotel Nacional conheci o ídolo Ayrton Senna em seus primeiros passos na Fórmula-1. Ao enxergar a Rocinha, brinquei de fazer as apresentações:
– Esta é a famosa Rocinha. Tânia Diehl, Rocinha. Rocinha, esta é Tânia Diehl, de Espumoso.
– Querem conhecer? – perguntou João.
– Claro que sim – respondi na brincadeira.
João é um aventureiro que já foi aos Estados Unidos só para fazer a Rota 66 de moto e que, no final de dezembro, vai descer pela segunda vez aquela estrada cheia de curvas da Serra do Rio do Rastro, em Santa Catarina. Adrenalina é com ele.
Quando fez menção de entrar na Rocinha, pensei que estava apenas querendo dar um susto nas gauchinhas. Só que não. Parou na entrada e perguntou aos policiais se estava dando para entrar. A patrulha respondeu que sim e começamos a subir aquela rua em espiral, numa Chevrolet cabine dupla, 4x4, em meio ao vaivém de motos, vans e até ônibus. Rua estreita, em que os carros passam a milímetros um do outro.
A Rocinha é um desafio à engenharia. Você olha e não consegue imaginar como foi possível construir aquelas casas penduradas no morro. João vai explicando que a favela nasceu da falta de moradias no asfalto para os retirantes nordestinos que chegavam fugindo da seca. Fala da organização social, das costureiras da Rocinha, do que mudou com as UPPs. Lá em cima, o que se vê é uma cidade que pulsa em ritmo acelerado.
Maior do que 90% das cidades do Rio Grande do Sul em população, a Rocinha tem policiais espalhados pelas esquinas de ruas que levam a seu interior, esse interior que volta e meia vira notícia no Jornal Nacional. Antes de chegar ao topo, começamos a descer. Agradeço aos céus por esse primo destemido, que considera essencial no currículo de uma jornalista dar pelo menos uma circulada pelo coração da Rocinha.
Seguimos pela Barra, Recreio e Grumari, ao encontro de Lilia, que vem com o marido, duas filhas e duas netas. Lilia é diferente do irmão. Ela jamais subiria a Rocinha, mas planejou um passeio de sonho para quem, como eu, tem a quase certeza de pertencer ao reino vegetal.
Autorizados, cruzamos a cancela da Marambaia com a sensação de estar entrando numa terra proibida para civis. Rápido passeio, depois um almoço dos deuses e chegamos ao mundo verde de Burle Marx.
Em contraste com a formação irregular da Rocinha, ali tudo segue uma ordem traçada pelo artista que virou sinônimo de paisagismo. Planejamento e método. Apaixonado por bromélias, Burle Marx reuniu espécies raras entre as 3.500 plantas da coleção declarada patrimônio cultural brasileiro em 1985. O artista viveu ali de 1973 até a morte, em 1994. Em 1985, doou o sítio para o governo federal, com a condição de que, depois de sua morte, fosse aberto à visitação pública e que só fossem contratados trabalhadores da localidade para os serviços de conservação. Sua casa virou um museu com mais de 3 mil peças, incluindo obras do próprio Burle Marx.
Não há palavras capazes de descrever as imagens que ficarão para sempre na rotina e que compartilho aqui como um convite a conhecer essa versão carioca do paraíso tropical.