
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Em tempos de resiliência e busca por sociedades mais comprometidas e focadas nas pautas ambientais, o Iclei, uma rede global de mais de 2,5 mil governos locais e regionais comprometida com o desenvolvimento urbano sustentável, se destaca pelo trabalho prestado em todo o mundo.
David Jacome-Polit, head do programa de Desenvolvimento Resiliente no secretariado mundial do Iclei, esteve no South Summit, em Porto Alegre, e conversou com a coluna.
O que mudou na percepção dos governantes municipais em relação à emergência climática?
O Iclei tem um papel duplo. O que nós fazemos é conectar a arquitetura global, a agenda de mudança climática e o desenvolvimento sustentável para maior extensão das políticas sobre como o mundo deveria formar nosso futuro com os governos locais. Isso é bastante desafiante, porque, geralmente, essa arquitetura é construída e projetada para ser conectada principalmente com os governos centrais e federais, e o espaço entre os governos locais e esses processos é bastante grande. A maioria dessas políticas é projetada para os países, não para as cidades. O primeiro e mais importante papel do Iclei é fechar esse espaço, ajudar a colocar as vozes das cidades na mesa para que essas políticas possam ser ajustadas também para os governos locais, tendo em mente que 50% da população mora nas cidades. Ajustar essas políticas se torna crítico. Isso é o que a Iclei faz. O outro ponto é que quando você tem essas políticas, você tem demandas e objetivos a alcançar. O que fazemos é apoiar os governos locais para enfrentar esses desafios, para alcançar e contribuir para esses objetivos, provendo ajuda técnica, acesso a recursos financeiros, apoiando com atividades de construção de capacidade e outras atividades.
Qual ponto é fundamental que administradores públicos devem se atentar na agenda ambiental?
Estamos vivendo em tempos sem precedentes. Temos alertas vermelhos em todos os lugares, mudanças climáticas e estamos quebrando ecossistemas. Estamos quebrando o ciclo de água do planeta, e isso está colocando em perigo os sistemas fundamentais que permitem que a sociedade global cresça, seja segura e confortável. Estamos interrompendo tudo o que nos apoia como sociedade global para ter a qualidade de vida que temos. E isso está acontecendo agora mesmo, enquanto falamos. Você pode ver a mudança climática, pode ver como o planeta está sendo aquecido, pode ver os glaciares nos Andes que estão se perdendo, como o nível do mar está subindo, basicamente colocando em perigo 60% das cidades do mundo. Isso tem consequências massivas na população mundial, mas também nas vidas das pessoas nas cidades. Isso coloca os governos locais em uma posição particular, porque são os que devem estar fazendo com que nós estejamos mais seguros. O segundo ponto é que não podemos esquecer os desafios atuais nas cidades. Temos de erradicar a pobreza, de livrarmos da insegurança alimentar, e ter certeza de que todos têm acesso à educação, aos serviços de saúde e a cidades que não contaminam mais.
Há cidades que têm dificuldade de compreender a importância dessa agenda. Como mudar esse pensamento?
O que deve ser feito é usar o tipo de linguagem com a qual todos possam se relacionar. Se você vai lá e diz que o clima está ameaçando a todos nós, isso soa como algo muito distante, mas se mudarmos a linguagem e dissermos que temos de ter certeza de que todos precisamos estar mais seguros, de viver em casas com qualidade, em espaços mais seguros, que precisamos ter acesso a sistemas de mobilidade, à educação, e que todos precisamos ter certeza de que estamos preparados para enfrentar eventos disruptivos, então você pode relacionar (o discurso) com o que está acontecendo. É sobre usar a linguagem certa.
Como o Iclei se relaciona com instituições, empreendedores e investidores?
Os tempos desafiadores que estamos vivendo exigem uma abordagem de toda a sociedade. Não é somente o governo local ou o setor público. Você precisa de um setor privado engajado nisso. A tecnologia, a inovação e a capacidade de pensar em soluções diferentes que o setor privado possui devem ser usados para alcançar esses objetivos, de realmente proporcionar essas soluções usando a tecnologia do jeito certo para facilitar esses processos. Ou todos trabalhamos juntos, ou vamos continuar interrompendo os mesmos sistemas que suportam a nossa vida como uma sociedade global e vamos nos arrepender muito.