
Há um mundo antes e outro depois de 2008. A arquitetura que os Estados Unidos moldaram a sua imagem e semelhança pós-Segunda Guerra Mundial era assim: o sistema ONU era guarda-chuva institucional das relações internacionais, o Consenso de Washington servia como cartilha econômica liberal e o dólar garantia o lastro comercial.
Esse arcabouço normativo, especialmente após a derrocada do bloco soviético, serviu de alavanca para a globalização que levou Thomas Friedman a definir o mundo como plano, sem qualquer relação com terraplanismo, e fez Francis Fukuyama declarar o "fim da história".
Enquanto isso, China hibernava. Entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, mas permaneceu em baixo perfil à medida que acumulava capacidades intelectuais, econômicas e militares. Em 2008, quando a catástrofe financeira chegou — e boa parte do Ocidente colapsou —, o dragão saiu da caverna.
A China reapresentou-se ao mundo não só como modelo resiliente, mas como uma alternativa viável ao capitalismo tal qual o conhecemos, o tal "socialismo de mercado" ou "capitalismo de Estado", contendo todas as contradições que palavras como essa abarcam quando usadas juntas.
Corta para os EUA: colhendo os problemas do envolvimento em duas guerras simultâneas (Afeganistão e Iraque), vendo empresas migrarem para o Oriente em busca de mão de obra barata e inagurando cemitérios industriais em antigas capitais dos tempos de pujança, o país elegeu Donald Trump em 2016, um empresário-presidente que prometeu tornar a América grande de novo.
Não chega a ser novidade os EUA terem na Casa Branca um presidente mais isolacionista — ao contrário, são comuns ciclos de administrações mais fechadas, que minimizam a participação americana no cenário global, e outras expansionistas, fiéis ao mito de exportador da democracia. O que muda, no caso atual de Trump, é o método.
A Casa Branca trumpiana lança mão das tarifas em um momento em que rompe com aliados na Europa e na Ásia. Isso não só retrai a globalização como leva o mundo a olhar para os EUA com desconfiança.
Como em política não há vácuo de poder, os chineses buscam ocupar o espaço abandonado pelos americanos: exploram divisões e reforçam acordos com ex-aliados dos EUA. Faz aquilo que se esperava dos EUA: o reforço da ordem que ajudou a erigir.
Assim o autoritarismo se combate com democracia, a saída para crises comerciais deveria ser mais comércio. Os EUA deveriam fortalecer vínculos com parceiros comerciais, e não atrair a antipatia global. Afinal, até os impérios têm seus limites.