
Ao longo dos 37 dias de internação do Papa, o que a coluna mais ouviu de interlocutores no Vaticano, mesmo em momentos de maior pessimismo, era de que Francisco, caso sobrevivesse a seu pior calvário de saúde, voltaria diferente.
De fato, o Pontífice que volta para a Casa Santa Marta, sua casa intramuros, não será o mesmo que a deixou pelo período mais longo de convalescença desses 12 anos de pontificado.
O Papa, como vimos neste domingo (23), está muito frágil. Terá de reaprender a falar devido ao tratamento com alto fluxo de oxigênio, a voz está ofegante e ele quase não consegue fazer o sinal da cruz com a mão direita. Embora tenha sido considerado um paciente exemplar nesses dias no Hospital Gemelli, sabe-se que Francisco é um tanto teimoso: suas traquinagens, em geral, têm como objetivo quebrar a sisuda tradição da Santa Sé e aproximá-lo do rebanho. Apesar desse perfil, característico de um Papa "sem rodeios", terá de cumprir recomendações estritas para que "permaneça entre nós mais dois, três anos ou mais", como diz um interlocutor do Vaticano.
- Para concluir seu trabalho - completou.
Mesmo no leito, Francisco ampliou o trabalho do Sínodo dos Bispos, iniciativa marcante de seu papado, que discutiu reformas como a possibilidade de mulheres servirem como diaconistas católicas e uma melhor inclusão de pessoas LGBTQI+ na Igreja.
O Papa não pode encontrar-se com crianças ou multidões, para evitar a exposição a vírus. Por enquanto, ficará restrito a seus aposentos no segundo andar da Casa Santa Marta. Com a recuperação, poderá voltar a fazer as refeições no térreo, com os demais religiosos, e receber visitas nas salas daquele piso. Tudo muito lentamente.
Embora um Papa em condições diferentes, Francisco dá mostras de que sua mente está excelente. Reconheceu, da sacada da Gemelli, uma mulher, Carmela, com flores amarelas que está sempre presente entre a multidão às quartas-feiras na Praça de São Pedro ("Brava", disse). Pediu para descer do 10º para o 5º andar da clínica para que o povo pudesse avistá-lo melhor. Insinuou um sorriso quando alguém gritou algo lá de baixo. Já não é a gargalhada de quando alguém, anos antes, brincava sobre seu time do coração, o San Lorenzo argentino. Mas o bom humor está intacto.
Nesses 37 dias internado, ele fez questão de reverenciar os profissionais de saúde, como fizeram no auge da pandemia de covid-19. E quase todos os dias telefonou para arquidiocese de Gaza para saber da situação daqueles que sofrem a guerra. Na maior parte do tempo, com os fiéis, nas orações do Ângelus, escreveu. Será provavelmente assim, talvez tenhamos de nos acostumar a um pontífice que se comunicará mais por textos do que pela voz.