O resultado geral das eleições para o parlamento europeu não conta verdadeiramente a história de um continente dividido no qual desembarquei nesta segunda-feira (10).
Cheguei à Holanda, após conexão na Itália, para uma série de reportagens sobre o país que aprendeu as lições da gestão hídrica a partir de tragédias provocadas pelas águas. Entretanto, antes do risco de enchentes - esse é um tema candente inclusive na Alemanha, que vive novas cheias -, é sobre o avanço da extrema direita que os europeus conversam.
A centro direita continua sendo a principal força política europeia - os conservadores cristãos Partido Popular Europeu (PPE) conquistaram 185 assentos, seguidos pela centro esquerdista Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), com 137, e pela coalizão liberal Renovar a Europa, com 79. Mas só se começa a compreender o racha político quando se observa os detalhes dos números: grupos compostos por partidos da ultradireita, como os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o Identidade e Democracia (ID), obtiveram 73 e 58 assentos, seus melhores resultados da história. Quando se observa os mapas, a inquietação toma conta das forças tradicionais: a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido xenófobo e antiimigração, venceu principalmente nos Estados da antiga Alemanha Oriental, região que foi comandada por regimes comunistas até a queda do Muro de Berlim, em 1989.
O estranho mapa do país, colorido pelas cores da sigla a dividir a nação como nos tempos da Cortina de Ferro, aparecia nesta segunda-feira (10) em redes sociais como símbolo de um ressentimento em relação ao resto do país rico e desenvolvido.
A vitória dos ultradireitistas é um voto de protesto de pessoas que não se sentem parte do bloco, grito de rejeição por parte dos caídos da globalização contra o sonho da unificação, que aparece principalmente na Alemanha, na França e na Itália.
Esse "não" ao partidos tradicionais é uma espécie de "basta" que já vinha se manifestando nas eleições nacionais - aqui, na Holanda, por exemplo, o Partido pela Liberdade (PVV), com política anti-islâmica e antiimigração formou uma coligação com o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), do primeiro-ministro Mark Rutte, os centristas do Novo Contrato Social (NCS) de Pieter Omtzigt e os populistas do Movimento Agricultor-Cidadão (BBB). A rejeição também já havia sido expressa na vitória de Giorgia Meloni, na Itália, e nas duas vezes em que Marine Le Pen beliscou o Palácio do Eliseu, na França. Agora, ele chega ao Parlamento Europeu e faz tremer o centro. Daí entende-se o ato desesperado de Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia Nacional em seu país e convocou novas eleições legislativas, um gesto arriscado e que pode ser, ali adiante, um rito no pé.