
Em 2022 o mundo conseguiu sair da pior fase da covid-19, mas mergulhou em uma guerra. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, mudou as relações internacionais no novo século, provocando efeitos colaterais nas áreas de segurança e provocando crises energética, alimentar e migratória - além das próprias mortes decorrentes do primeiro grande conflito em solo europeu desde os Bálcãs.
O ano de 2023, que começa no próximo domingo (1º), traz imensos desafios - não só porque a guerra no Leste Europeu continua, mas porque há novos focos de tensão, como entre China e Taiwan. O reposicionamento estratégico do Brasil, com a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, atrairá as atenções da comunidade internacional, que olhará, em outubro, também para a Argentina e a sucessão na Casa Rosada.
A coluna destaca, a seguir, os principais temas que deverão pautar o noticiário internacional em 2023.
Reposicionamento do Brasil
Uma área normalmente relegada a segundo plano, a política externa deve ter protagonismo no futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de reposicionar o Brasil do ponto de vista estratégico, reconstruir pontes com antigos aliados latino-americanos, europeus e asiáticos e atrair investimentos. A agenda ambiental deverá ser vitrine para projetar a imagem do país no Exterior - há o convite do presidente eleito para que o Brasil sedie a próxima conferência do clima das Nações Unidas (COP30), em 2025. As primeiras viagens internacionais de Lula, nos primeiros três meses, indicam também prioridades nas relações bilaterais - Argentina, em janeiro, e Estados Unidos e China até os cem primeiros dias. Equilibrar-se entre os interesses divergentes de americanos e chineses será desafio para o novo Itamaraty, bem como renegociar as bases do acordo entre Mercosul e União Europeia, que atualmente está paralisado.
Eleições na Argentina
Campeões do mundo no futebol, os hermanos irão às urnas em outubro para escolher o novo presidente do país. Será uma nova chance de o país, que vivencia sucessivas crises, tentar se reerguer. Condenada por corrupção e sentenciada a seis anos de prisão, a atual vice, Cristina Kirchner, não deve concorrer. Ao abrir mão de disputar o pleito, ela abre um enorme buraco político no peronismo - e, sobretudo, no kirchnerismo, que não reconhece no atual presidente, Alberto Fernández, um herdeiro político. Não se sabe se ele tentará o segundo mandato. Com inflação na casa dos 100% ao ano e desemprego nas alturas, o país tende a eleger a oposição, que tampouco tem um nome forte para voltar à Casa Rosada. Mauricio Macri, ex-presidente, é favorito na coalizão de direita Juntos pela Mudança, mas há outros pré-candidatos, como Patricia Bullrich, e o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta.
Os desafios da política peruana
O país que, em 2022, enfrentou a queda de mais um presidente, Pedro Castillo, ingressa em 2023 em meio a uma nova onda de instabilidade. A ex-vice agora chefe de Estado, Dina Boluarte, conseguiu uma importante vitória ao aprovar, no Congresso, a antecipação de eleições gerais de 2026 para 2024. O país vira o ano sob estado de emergência por causa de protestos de apoiadores de Castillo, que segue preso.
Chile e a nova Constituição
Em setembro de 2022, os chilenos rejeitaram, em plebiscito, a nova Constituição do país, que sepultaria a antiga Carta Magna, da época do ditador Augusto Pinochet. Foi uma derrota para o governo do presidente de esquerda Gabriel Boric. Após muita negociação entre parlamentares governistas e da oposição na Câmara e no Senado, chegou-se à conclusão que um novo texto será redigido pelo Conselho Constitucional formado por 50 pessoas eleitas por voto popular e com o apoio de 24 especialistas designados pelo Congresso. O pleito será realizado em abril. Os trabalhos começarão no mês seguinte. Novo plebiscito para aprovação ou não da Constituição será feito em 26 de novembro.
Conflito sem fim na Ucrânia
Em 24 de fevereiro, o conflito completará um ano. Não há solução à vista. A Rússia tem minado a infraestrutura do país invadido, ocasionando blecautes em praticamente toda a Ucrânia. Este será o segundo inverno da guerra que alterou a geopolítica em 2022, deflagrando crises energética e alimentar, bem como reorganizando as relações de segurança entre Ocidente e o país de Vladimir Putin. Em visita a Washington, neste mês, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky recebeu forte apoio de Joe Biden e a promessa de US$ 1,85 bilhão em assistência militar, incluindo o poderoso sistema de defesa aérea Patriot, o que enfureceu o Kremlin.
China e Taiwan, mais próximos de uma guerra
Em 2022, China e Taiwan estiveram muito próximos de uma guerra. No ano que começa no domingo (1º), as tensões devem se aprofundar à medida que Pequim sofre pressões internas, como o aumento de casos de coronavírus e o questionamento da política de covid zero. Xi Jinping, alçado a um terceiro mandato, deve endurecer o regime, centralizando poder e dando demonstrações de intimidação ao Ocidente, que protege Taiwan.
Aquece para a sucessão de Biden
O ano de 2023 será um aquece para a eleição presidencial nos EUA, que ocorrerá no ano seguinte. Será quando começam as articulações internas para definições dos pré-candidatos democratas e republicanos. O atual presidente, Joe Biden, terá quase 82 anos no pleito, em novembro de 2024 (ele faz aniversário em novembro), mas já disse que provavelmente concorrerá à reeleição. Os democratas se saíram melhor do que o esperado nas eleições de meio de mandato, em 2022 - perderam a maioria na Câmara, mas mantiveram o controle no Senado. O ex-presidente Donald Trump deseja concorrer, mas já não é candidato único entre os republicanos, que podem apresentar novos nomes, como o do governador da Flórida, Ron de Santis. Um novo embate entre Trump e Biden, na finaleira, não pode ser descartado.
Consolidação de Charles III e desafios do governo
Entre as tantas perdas desde 2022, o mundo acompanhou o fim do reinado de Elizabeth II no Reino Unido e a ascensão de Charles III ao trono. O ano que começa será de consolidação para o novo rei, que vem tentando dar uma face mais inclusiva à monarquia, algo que apareceu em seu discurso de Natal, no qual fez um aceno a outras religiões, além do anglicanismo. Apesar de seus esforços em ser um monarca popular, é visto como um rei de transição entre sua mãe e seu filho, William, o príncipe herdeiro.
O ano de 2023 também será decisivo para o primeiro-ministro Rishi Sunak, que assumiu o poder após a queda de dois antecessores, Boris Johnson e Liz Truss. Seu Partido Conservador está desunido, e o país enfrenta inflação elevada (a mais alta do G7), devido a aumentos de preços de energia e de alimentos, turbulências em negociações entre governo e líderes de sindicatos de trabalhadores, que resultam em greves, e desconfiança dos mercados.