
A decisão de Luiz Inácio Lula da Silva de viajar à conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP27, no Egito, revela a importância que o futuro governo dará à política externa.
Há certo exagero ao pensar que o presidente eleito roubará a cena no balneário de Sharm el-Sheik, porque, afinal, a comunidade internacional tem muitas outras questões urgentes na agenda - a crise energética que se agiganta à medida em que o inverno aparece no horizonte europeu, e a ameaça de uma catástrofe alimentar, ambas resultantes de uma guerra, sem falar nas relações internacionais pós-pandemia a serem reconstruídas, justamente quando a temperatura média da Terra se aproxima do ponto de não retorno.
Mas não há dúvidas de que o mundo olha para o Brasil. Não temos o mesmo impacto geopolítico de uma mudança de governo nos Estados Unidos, maior potência econômica e militar do planeta. Mas somos guardiões da Floresta Amazônica, nosso agronegócio é parte da solução da crise alimentar e, no lugar de força militar, o chamado "hard power", exercitamos, ao longo de décadas, uma diplomacia especializada em "soft power", o poder suave.
Sob anonimato, interlocutores no Itamaraty comemoram o retorno do Brasil ao centro da política mundial. Ou, como disse uma fonte em Brasília, o fato de o país ter se convertido, em 24 horas, "de pária a influencer internacional". Não é retórica. Prova disso foi a decisão da Noruega de desbloquear as verbas do Fundo Amazônia, de R$ 2,5 bilhões, paralisado desde 2019.
A expectativa entre diplomatas é de um retorno ao pragmatismo histórico, aquele que permite ao Brasil não comprar briga com ninguém - ao contrário, barganhar apoio conforme seus interesses, aproveitando-se de seu papel de potência média do sistema internacional. É o que faz pensar que, em meio ao confronto de titãs pela hegemonia global, entre Estados Unidos e China, nosso país é capaz de negociar com os dois lados - e tirar proveito deles.
Esse equilíbrio vai depender, em muito, dos nomes à frente da política externa. Em Brasília, ventila-se a possibilidade da repetição de uma dobradinha entre o ministro das Relações Exteriores e um assessor especial para Assuntos Internacionais. Nos governos Lula 1 e 2, esses papeis eram exercidos por Celso Amorim e o gaúcho Marco Aurélio Garcia, morto em 2017. Ao primeiro, cabia chefiar o Itamaraty, ao segundo aconselhar o presidente e ser seu emissário quando as relações ideológicas por vezes suplantavam as relações de Estado.
Essa é uma das críticas que se faz: o excesso de protagonismo do assessor presidencial em situações delicadas, em especial com parceiros ideológicos, na Venezuela, em Cuba e na Bolívia, manchavam a independência da diplomacia brasileira.
Surgiu, nesses dias, o nome do economista Aloizio Mercadante como cotado para o Itamaraty, enquanto Amorim exerceria o cargo que foi de Garcia. Com alguém tão forte como assessor especial, o risco é o futuro chanceler sofrer sombra do Planalto. Mercadante coordenou a elaboração do programa de governo de Lula e mantém bom trânsito entre líderes internacionais. Amorim é criador e criatura de seu slogan (uma política externa altiva e ativa"), citado em livros como "Brasil: uma política externa altiva e ativa" e "Teerã, Ramalá e Doha - Memórias da Política Externa Ativa e Altiva, aliás, duas boas leituras para prever o Brasil que se aviznha.
Ponto em comum: Amorim e Mercadante têm a percepção de que o Brasil precisa estar de volta ao tabuleiro de xadrez global. A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mantra de Lula 1, fez a política externa apostar na missão de paz no Haiti. A despeito de pouco terem mudado a miserável realidade haitiana, os 13 anos do Brasil no Caribe são celebrados com orgulho pelas Forças Armadas - um setor que o futuro governo precisa se reaproximar.
O ponto de atenção é evitar erros do passado. Ainda que o PT não admita, no afã de protagonismo diplomático, o Brasil, com excesso de otimismo, não mediu a força de sua influência ao tentar uma solução para a crise nuclear entre o Irã e o Ocidente. A solução em si não era ruim (grosso modo, produzir energia nuclear com fins pacíficos na Turquia), mas a proposta para a paz foi atropelada pelas grandes potências, excesso de voluntarismo, que, nas palavras do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, revelou-se "gratuito e inútil". Lula desembarcou na Rússia, e o presidente Dimitri Medvedev o alertou, em conversa reservada, que o jogo já estava jogado. Sem a chancela dos EUA, o acordo nascia morto. Os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, já haviam concordado em impor novas sanções ao Irã.
Muda o ano, muda o inimigo da vez, sai Medvedev, volta Lula - e segue Putin. Mas o alerta para calibragem do nosso real número de seguidores, para ficarmos na metáfora do "influencer global", segue importante. Precisamos ter noção da nossa força antes de pretender objetivos grandiosos.