Passados quatro dias da eleição, é preciso admitir que a democracia brasileira dá exemplo ao mundo e está, apesar dos pesares, alguns degraus acima, se comparada à noite escura na qual os Estados Unidos se meteram no pleito de 2020, que culminou no trágico 6 de janeiro do ano seguinte. É cedo para comemorar, mas nesse processo de eterna vigilância e aperfeiçoamento, há pontos positivos.
Donald Trump levou oito dias para reconhecer a derrota para Joe Biden naquela disputa. Jair Bolsonaro, chamado pela imprensa internacional e pelo próprio ex-presidente americano como "Trump dos Trópicos", admitiu ter perdido o pleito para Luiz Inácio Lula da Silva em 44 horas.
Demorou? Sim. Mas foi mais rápido do que Trump. Ambos tergiversaram? Também é verdade: Trump o fez pelo Twitter e chegou a recuar pouco depois, dizendo que não reconhecia nada; Bolsonaro em nenhum momento citou textualmente o resultado do pleito de domingo. Mas, ainda assim, o brasileiro autorizou o início da transição.
Também é preciso reconhecer que, na comparação entre os baderneiros do Capitólio e a meia dúzia de manifestantes que bloqueia estradas e pede interferência das Forças Armadas, Bolsonaro também agiu antes que a situação saísse do controle. Não o fez no curto pronunciamento oficial, de terça-feira (1º), mas mandou a mensagem a quem interessasse na live, no dia seguinte.
Em 6 de janeiro, em Washington, depois de muita demora, Trump pediu que seus "meninos" voltassem para casa. Bolsonaro, cheio de dedos, apelou pela desobstrução das estradas, mas pediu "por favor", que não pensassem mal dele.
A transição entre os governos Trump e Biden demorou 16 dias para começar. Por aqui, também foi mais rápido. Como o ex-presidente Barack Obama disse certa vez, a transmissão pacífica de poder é uma das características da democracia. Mas, no fatídico 2020, esse processo tão técnico quanto simbólico só começou depois de Trump ter bloqueado por mais de duas semanas o acesso da equipe do democrata a informações e recursos para a troca de poder.
Mesmo quando finalmente cedeu, o republicano disse que ia seguir contestando os resultados, que ele argumentava, sem provas (como aliás o faz até hoje), terem sido fraudados. A diretora da Administração de Serviços Gerais (GSA) dos EUA é a responsável por assinar e enviar a carta formal que permite ao time vencedor começar os trabalhos. Ela dá a quem está chegando desde o acesso aos prédios federais e a informações sigilosas. A comunicação precisa partir do presidente - no caso de Trump, ela só veio depois de muita relutância em 23 de novembro.
No Brasil, de acordo com a Lei nº 10.609, de 2002, o eleito pode criar uma equipe de transição com o objetivo de se inteirar do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública Federal e com acesso às informações como contas públicas, programas e projetos em andamento.
Até onde se sabe, o gabinete de Bolsonaro não adotou, de forma coordenada, preparativos prévios para um cenário de mudança de governo. O tema, assim como na Casa Branca de Trump, era tabu no Planalto.