
Política externa costuma ser colocada em segundo plano nas propostas de governo e no debate eleitoral, relegada ao discurso simplista polarizado de quem tem a "pior" ditadura - Nicarágua e Venezuela, usados pela direita para acusar a esquerda, e Hungria e Arábia Saudita, pela esquerda para atacar a direita.
Mas a forma como o Brasil se relaciona com o mundo é fundamental para o comércio, busca por investimentos, segurança e defesa, parcerias tecnológicas, relações com vizinhos, cooperação e projeção de imagem aos olhos da comunidade internacional. Como em quase todos os temas desta eleição, as propostas para política externa são diametralmente opostas entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
Em um eventual segundo mandato, o atual presidente não deve mudar sua agenda externa, que prevê maior aproximação com países governados pela direita, mais especificamente com políticos alinhados a valores e costumes defendidos pelo governo - como era com Donald Trump, nos Estados Unidos, além da Hungria e a atual Itália.
Os dois primeiros anos de Bolsonaro no poder, com de Ernesto Araújo à frente do Itamaraty, representaram uma ruptura com a tradição da diplomacia brasileira, que buscou sempre o pragmatismo e o diálogo com diferentes países, independentemente das ideologias dos governantes. O alinhamento automático com o governo Trump, as críticas à China, além dos números do desmatamento e queimadas na Amazônia, a pouca atenção aos direitos humanos e as mortes por covid-19 colocaram o país em uma posição de isolamento internacional. A substituição de Araújo por Carlos França significou um certo retorno à normalidade na pasta.
Bolsonaro, em seu plano de governo para o eventual segundo mandato, afirma que a nação buscará interações ainda maiores com países "que tenham valores compatíveis com os do Brasil". Entre esses princípios estão, nas palavras do projeto, "ambiente democrático, como eleições livres e transparente", "igualdade e respeito aos poderes constituídos e sua independência constitucional." Seu plano de governo destaca ainda o papel da capacidade das Forças Armadas, principalmente de defesa e nas relações internacionais. "Além de alinhada com a política externa, ela deve servir de indutora para assuntos como domínio de tecnologia de ponta por meio de projetos estratégicos".
Lula, por sua vez, tem focado em temas que o atual governo deixou em segundo plano. Mas vive o dilema entre repetir a política externa de seu primeiro mandato ou adaptá-la aos novos tempos. Em 2003, a diplomacia brasileira era acusada por adversários de ser ideológica (só que à esquerda) e com excesso de protagonismo - críticos veem como fracasso a tentativa de mediar a crise entre EUA e Irã - iniciativa que os petistas argumentam que seria exemplo da relevância do Brasil lá fora.
Hoje, as propostas para um novo mandato de Lula ainda trazem no bojo a ideia de reposicionar o Brasil como player global (diplomacia "ativa e altiva", nas palavras de do ex-chanceler Celso Amorim), mas com ajustes, colocando, por exemplo, a preservação ambiental no topo da prioridades da política externa.
Lula sabe o que a comunidade internacional gosta de ouvir e, nos últimos meses, tentou mostrar-se como alguém bem relacionado com líderes europeus. Ao contrário de Bolsonaro, o candidato destaca que manterá uma boa relação com a China, principal parceiro comercial brasileiro.
O ex-presidente ainda sugere usar a preservação da Amazônia como capital internacional para melhorar a credibilidade do Brasil e, com isso, atrair investimentos externos.
Em entrevistas a correspondentes estrangeiros, ele tem destacado a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU (algo que Bolsonaro também defende) e se posicionado como alguém capaz de contribuir para a paz mundial - como eventual interlocutor entre Rússia e Ucrânia, por meio de uma negociação com a China para que intervenha mais pelo fim do conflito no Leste Europeu.
As propostas
O que dizem os planos de governo dos candidatos
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
- Reconstruir cooperação internacional Sul-Sul com a America Latina e África.
- Defender a ampliação da participação do Brasil nos assentos dos organismos multilaterais.
- Fortalecer novamente o Mercosul, a Unasul, a Celac e os Brics.
- Retomar e ampliar políticas públicas para a população brasileira no Exterior e seus "direitos de cidadania" a partir de acordos bilaterais em condições de reciprocidade, para reconhecimento de direitos e uma vida melhor paras populações migrantes.
- Estabelecer "livremente" as parcerias que forem as melhores para o país, "sem submissão a quem quer que seja".
Jair Bolsonaro (PL)
- Aproximação com os governos alinhados aos mesmos valores e costumes. Prioridade ao ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), agenda que o candidato defende como filiada a países desenvolvidos.
- Participar de acordos e operações internacionais, em especial "as que busquem a paz", como as missões patrocinadas pela ONU
- Ampliar e aperfeiçoar parcerias econômicas bilaterais ou multilaterais e viabilizar outras "ainda mais ambiciosas".
- Criar condições para atrair investimentos internacionais que auxiliem no desenvolvimento econômico, na geração de empregos e no bem-estar social.
- Buscar parcerias comerciais e tecnológicas com nações que ofereçam respostas às necessidades do país.