Como a questão do porte de armas em locais públicos e do aborto, para ficarmos em dois exemplos recentes de retrocesso legal nos Estados Unidos, a questão da migração clandestina tende a ser politizada. No interior do "caminhão do horror", abandonado na periferia de San Antonio, foram encontrados na segunda-feira (27) 46 corpos de migrantes, que morreram provavelmente por asfixia ou desidratação. Dezesseis sobreviventes, entre eles 12 adultos e quatro crianças, foram levados a hospitais. Seus corpos, segundo os socorristas, ainda estavam muito quentes, devido à insolação. O cenário dantesco chocou até os mais experimentados bombeiros. Um deles disse o seguinte:
- Não estamos preparados para abrir um caminhão e ver diversos corpos lá dentro.
Um dos primeiros sinais de politização do tema veio do governador do Texas, Greg Abbott, que culpou a política de "portas abertas" da atual Casa Branca democrata.
- Essas mortes estão na conta de Biden - acusou, ao creditar o desastre ao número de travessias de migrantes entre os EUA e o México.
A tragédia do Texas choca, mas, infelizmente, não surpreende. San Antonio está localizada a 250 quilômetros da fronteira com o México. Inclusive o local onde o caminhão foi encontrado é um conhecido ponto de desembarque de migrantes ilegais, que caem na mão dos chamados "coiotes" - os atravessadores de seres humanos.
Não se trata apenas de uma questão partidária ou de quem está na Casa Branca. A imigração ilegal é um problema complexo, endêmico nos Estados Unidos, cujas raízes são econômicas e que, em geral, tende a ser visto apenas a partir de uma perspectiva de segurança. Em 2017, o inquilino da Casa Branca era Donald Trump e algo semelhante ao desastre de segunda-feira (27) ocorreu na mesma região. Dez morreram em um contêiner por insolação. O motorista foi condenado à prisão perpétua no ano seguinte. A dura política migratória republicana, que incluía separação de pais e filhos migrantes, crianças em jaulas e a promessa de construção de um muro na fronteira, não impediu a tragédia.
Na Cúpula das Américas, no início de junho, Biden propôs outro modelo de migração no continente, que inclui melhores serviços públicos, como saúde e educação, financiamento de bancos internacionais e reforço de medidas de imigração temporária. Mas a proposta, embora interessante, foi recebida com ceticismo. Principalmente porque os governos de países que são origem da maioria dos migrantes - México, El Salvador, Guatemala e Honduras - não estavam presentes no encontro.
O atual governo americano diz ter investido US$ 50 milhões em apoio à interrupção de redes clandestinas. E promete US$ 315 milhões para ajudar migrantes em outros países do continente. Biden quer ainda receber 20 mil refugiados em dois anos, um número pequeno perto da massa humana que se desloca em busca de vida melhor na América. Só no último ano fiscal, os EUA prenderam 1,7 milhão de ilegais.