Talvez não seja possível quebrar o gelo entre os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden no encontro paralelo à 9º edição da Cúpula das Américas, que ocorrerá em junho em Los Angeles. Possivelmente nem esse seja o objetivo da reunião bilateral, agora que o brasileiro confirmou que irá viajar.
As relações entre os dois líderes das maiores nações do continente americano têm um vício de origem: o apoio que Bolsonaro deu a Donald Trump na campanha americana de 2020. Uma que outra frase de incentivo a um candidato de outro país durante o período eleitoral, por si só, já seria considerada, pelo manual das boas práticas diplomáticas, interferência externa em assuntos domésticos, que dizem respeito, única e exclusivamente, aos cidadãos e governantes dentro de suas fronteiras. Mas o presidente brasileiro foi além: abraçou o desvario de Trump, que antes, durante e depois das eleições nos Estados Unidos, colocou em dúvida o resultado do pleito, com ações sistemáticas que culminaram no fatídico 6 de janeiro de 2021, dia da invasão do Capitólio por seus apoiadores. Bolsonaro ficou com Trump até o fim, inclusive sendo um dos últimos chefes de Estado e de governo a parabenizar Biden pela vitória.
Claro que as rusgas eram anteriores: o democrata, enquanto candidato, já havia feito cobranças sobre a preservação da Amazônia e o compromisso com a democracia, que culminariam nos pilares de sua gestão, após a posse - inclusive com a realização de duas reuniões de cúpulas internacionais. Mas foi ali, na eleição e nos dias subsequentes, quando a democracia americana viveu seu maior teste de estresse, que as relações entre Bolsonaro e Biden entraram em processo de congelamento.
Com esse histórico, seria óbvio que o tom se manteria assim, enregelado. Isso ocorre sempre que há união carnal entre governos, como havia entre Bolsonaro e Trump. Em democracias, um dia, um ou outro passa. Vira história, enquanto as relações entre Estados são perenes.
Bolsonaro reclama que Biden o ignorou na cúpula do G20, mas, a partir da visita do enviado da Casa Branca a Brasília, Christopher Dodd, o brasileiro disse irá a Los Angeles "fazer valer o que o Brasil representa para o mundo". Focado na reeleição, Bolsonaro pouco ganha entre sua base eleitoral com a viagem - política externa, como se sabe, não rende votos e seus eleitores, assim como o próprio presidente, se identificam com Trump, e não com Biden. Mas, neste momento, é o democrata que precisa do Brasil para não ter a Cúpula das Américas esvaziada, com as possíveis ausências de México, Bolívia, Honduras e de alguns países do Caribe, que condicionavam a ida à inclusão de Venezuela, Cuba e Nicarágua.
Sem o líder da maior nação latino-americana, o evento seria um fracasso. Indo a Los Angeles, Bolsonaro poderia aproveitar para exercitar o famoso pragmatismo que caracteriza a tradição das relações exteriores brasileira. Talvez o gelo com Biden não seja quebrado (e nem precisa ser). A ausência de constrangimentos de um lado e outro já será um ganho.