Desde domingo (2), o Cazaquistão, um país que pertencia à antiga União Soviética, vive uma crise social que culminou em manifestações violentas, mortes e na queda do governo. A coluna explica o que está ocorrendo.
Os fatos
A exemplo do que ocorreu em 2019 em vários países da América Latina, os protestos iniciaram no Cazaquistão com um estopim econômico. Enquanto no Chile, por exemplo, foi o aumento do preço da passagem do metrô de Santiago, lá do outro lado do mundo foi a elevação do gás liquefeito de petróleo (GLP), que dobrou de valor. Também a exemplo de nações latino-americanas que se revoltaram naquele ano em que a pandemia ainda nem era notícia, no Cazaquistão os protestos logo se ampliaram para outras demandas políticas, como maior liberdade, menos autoritarismo e corrupção. O governo reagiu com truculência, acusando "gangues terroristas" de estarem infiltradas entre os manifestantes. O presidente, Kassym-Jomar Tokayev decretou estado de emergência, o que inclui toque de recolher e proibição de reuniões públicas. A internet foi cortada no país. Com o aumento da violência, entre os quais mais de cem policiais feridos, o primeiro-ministro do país, Askar Mamin, e todo o seu gabinete renunciaram.
O contexto interno
Como em casos semelhantes em outros países, a elevação do preço de um produto, como o gás, no caso do Cazaquistão, é apenas a gota d'água (como no Brasil de 2013, em que os protestos não eram "só por R$ 0,20). Há outras insatisfações latentes. Prova disso é que, mesmo após a renúncia do governo e a promessa de que os preços do GLP voltariam a baixar, os protestos não arrefeceram. Uma ex-república soviética, O Cazaquistão ainda guarda muitos tons autoritários. A maioria das eleições regionais costuma ser vencida pelo partido do governo, e a oposição é silenciada. Manifestações anteriores foram duramente reprimidas pelo governo.
A pandemia, como ocorreu em maior ou menor grau em todos os países, provocou estragos econômicos. A inflação ficou muito alta, afetando o preço de vários de alimentos, e o poder aquisitivo das pessoas despencou.
O que se vê é pouquíssima alternância de poder, desde que o país se tornou independente, com o colapso soviético, em 1991. Por anos, o Cazaquistão foi governado por Nursultan Nazarbayev, uma figura política dos tempos da antiga URSS (foi primeiro-ministro ainda em 1984) que conseguiu se perpetuar no poder mesmo depois da queda do regime, graças a eleições fraudulentas. Ele governou até 2019, quando renunciou também em meio a protestos nas ruas. Ainda assim, indicou o sucessor, Tokayev, também eleito em um processo suspeito. Ele segue sendo uma espécie de eminência parda do regime, com muita influência sobre o atual governo.
No índice da Freedom House, que mede a liberdade e a democracia no mundo, o Cazaquistão é considerado "não livre", com nota 23 (sendo 1 o menos livre e cem o mais livre).
O cenário internacional
Embora pouco falado por aqui, o Cazaquistão é um importante país da Ásia não apenas pela extensão territorial - é o nono país do mundo em território -, mas principalmente pelo aspecto econômico: é rico em petróleo e gás. Por isso, tem muito interesse em investimentos externos, e a estabilidade é um dos trunfos para atraí-los.
Como é comum em antigos satélites da URSS, em casos de crises internas, a Rússia é chamada a apaziguar a situação - o que soa como música aos ouvidos do presidente Vladimir Putin, sempre preocupado com possíveis influências da Europa e da Otan na região.
Na crise atual, o governo do Cazaquistão já pediu ajuda ao Kremlin, que está enviando tropas para "estabilizar" o país. Assim como ocorreu com Belarus, a revolta pode servir de argumento para aproximar o país ainda mais da esfera de influência russa. E também como já se viu na Ucrânia, não é incomum forças pró-russa acusarem o Ocidente de estar por trás das manifestações.