Eu gostaria de estar errado, mas sou cético em relação a um possível acordo que coloque fim à Guerra da Coreia. O conflito armado ocorreu entre 1950 e 1953, no primeiro e um dos mais sangrentos capítulos da Guerra Fria. De um lado, estava a Coreia do Sul, apoiada pelos americanos, de outro a do Norte, sustentada pela então URSS. Três anos e mais de 1 milhão de mortos depois, um cessar-fogo silenciou as armas. Houve o estabelecimento de uma zona desmilitarizada no paralelo 38º, que separa as duas Coreias. Mas, nesses 70 anos desde o início do conflito, nunca houve um acordo formal de paz.
Sendo assim, como nunca houve um tratado assinado, essa área permaneceu sendo uma das fronteiras mais perigosas do mundo, mesmo depois do fim da Guerra Fria. Como garantia de que o Norte não invadirá o Sul, como aliás ocorreu em junho de 1950, os Estados Unidos mantêm 28,6 mil militares na Coreia do Sul.
A possibilidade de um acordo, que colocaria fim (ao menos no papel) a 70 anos de hostilidades entre os dois lados, é um antigo sonho do atual primeiro-ministro sul-coreano, Moon Jae-in, que durante seu mandato tentou em vários momentos a reaproximação com o Norte. Agora, no final de seus anos à frente do Executivo, joga sua última cartada. Nesta segunda-feira (13), em visita à Austrália, Moon afirmou que os dois lados concordaram em declarar o fim formal do conflito, mas as negociações ainda não começaram.
O principal ponto de discórdia são as exigências norte-coreanas, a principal delas a retirada das tropas americanas do território sul-coreano e o fim dos exercícios militares conjuntos realizados pelos EUA e pela Coreia do Sul, além do levantamento das sanções econômicas.
O último seria o mais fácil de Washington atender como demonstração de confiança - desde que o Norte dê demonstrações claras de que abandona suas armas nucleares. Mas os dois primeiros, estrategicamente, são praticamente impossíveis. A retirada das tropas, como o governo Joe Biden entendeu bem a partir da saída do Afeganistão, deixa o caminho livre para adversários. O fim dos exercícios militares conjuntos também não irá ocorrer.
A China substituiu a URSS como nação de suporte à Coreia do Norte, e a tensão na Península Coreana é um dos principais pontos potenciais de atrito da atual disputa geopolítica entre Washington e Pequim - junto com o Mar do Sul da China.
A segurança da Coreia do Sul é não apenas um ponto de interesse para conter a China na Península Coreana, como também um dos pilares da estratégia de defesa, em caso de ataque de Pequim à Taiwan, em uma tentativa provável de retomada da ilha, que a China considera uma província rebelde.
Um acordo significaria mover essas peças do tabuleiro de xadrez. E, embora possível, mas pouco provável, obrigaria a reorganização de forças. E, como os EUA veem a China como a principal ameaça geopolítica do século 21, não há interesse em ceder um centímetro nessa disputa.