
A 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas começa às 10h (horário de Brasília) e, pela tradição que remonta à participação brasileira na criação da entidade, com trabalho do gaúcho Osvaldo Aranha reconhecido internacionalmente, desde 1947, o presidente do país faz o discurso inaugural entre todos os chefes de Estado e de governo.
O primeiro discurso propriamente dito, entretanto, é do secretário-geral da ONU, António Guterres. Jair Bolsonaro, cuja comitiva tem provocado polêmica em Nova York - pelo fato de o presidente brasileiro ser o único a não se vacinar entre os 20 líderes do G-20 e pelo comportamento da delegação nos encontros com manifestantes -, fala na sequência.
A seguir, o que esperar da reunião na sede da ONU, às margens do East River, em Manhattan.
1 Encontro (semi) presencial
Em 2021, a Assembleia Geral volta a contar com líderes presentes no púlpito da ONU. No ano passado, o evento ocorreu de forma totalmente remota. Os chefes de Estado e de governo enviaram vídeos, que eram transmitidos nos telões. Este ano, apesar de a imensa maioria dos participantes ter se vacinado, ainda assim, alguns líderes preferiram não comparecer. É o caso, por exemplo, do presidente Sebastián Piñera, do Chile, e do chinês, Xi Jinping
2 Bolsonaro e a vacina
O presidente brasileiro, como é tradição, fará o primeiro discurso, logo após o secretário-geral António Gutérrez. Toda polêmica em torno do fato de ele não ter se vacinado contra a covid-19, algo que o próprio Bolsonaro fez questão de dar visibilidade no encontro com o primeiro-ministro Boris Johnson, deve passar à margem do pronunciamento. A falta de educação da comitiva brasileira diante dos protestos e os constrangimentos causados por Bolsonaro não estar imunizado serão parte das bizarrices históricas do encontro (veja mais no item 6).
Na fala, Bolsonaro deve mencionar que seu governo avançou na imunização da população e que conteve a pandemia. Existe a expectativa de que lance algum sinal de agrado ao governo dos Estados Unidos, de Joe Biden, voltando a reafirmar suas intenções ambientais. Até agora, a visão americana é de que o Brasil tem mostrado bom tom sobre o assunto, porém, sem medidas concretas. Bolsonaro também deve destacar o auxílio emergencial e outras medidas econômicas de seu governo para amenizar os impactos da crise deflagrada pela pandemia.
O Brasil chega à ONU com a imagem desgastada por sucessivas situações, como os índices de desmatamento da Amazônia e ao negacionismo do Planalto em relação à gravidade da pandemia e contra a ciência.
Assessores buscavam uma "agenda positiva" em Nova York, mas os constrangimentos desde a chegada provavelmente estragaram os planos.
3 Biden e o clima
A fala do presidente brasileiro, ainda que importante e com destaque em nível doméstico, normalmente não ganha repercussão internacional. É como uma antessala ao discurso que vem na sequência, a do presidente americano. Este será o primeiro pronunciamento de Joe Biden na ONU. Por isso, todo os olhos do mundo estarão voltados para ele.
Três temas devem preponderar: Biden deve defender a saída americana do Afeganistão, como a coisa a certa a ter sido feita. Também deve amenizar a tensão com a China. E, principalmente, irá fazer do discurso uma prévia do grande evento de novembro, o encontro do clima em Glasgow, na Escócia, quando os EUA pretendem colher os frutos plantados na cúpula que ocorreu em abril.
No caso de Biden, a "agenda positiva" é prejudicada pelo atual estágio da vacinação no país - a campanha está estagnada, e o governo tem enfrentado dificuldades em destravar a imunização, especialmente em Estados sulistas, onde há forte resistência.
Biden também é pressionado pelos aliados europeus, depois de ter fechado um acordo com a Austrália para o fornecimento de submarinos de propulsão nuclear, o que levou a França a perder um contrato para construir embarcações convencionais. O ato foi classificado por Paris como uma "facada nas costas".
4 Xi e a economia
O discurso do líder chinês, que foi pré-gravado, é esperado porque sinaliza o comportamento da potência desafiante do sistema internacional à hegemonia americana. O pronunciamento ganhou importância ainda maior após o risco de calote da gigante do setor de construção civil chinesa Evergrande. o risco de falência pôs em alerta as economias mundiais. Não se sabe se Xi mudou o discurso pré-gravado depois dos solavancos nas bolsas na segunda-feira (20). Mas um sinal de socorro por parte do líder chinês pode tranquilizar os mercados.
5 Os temas principais
A questão ambiental e a reconstrução das economias pós-pandemia são temas que devem prevalecer durante o evento este ano. Em edições anteriores, os temas eram terrorismo na Europa (desde 11 de setembro de 2001 e com os ataques seguintes em Madri, Londres, Berlim, Nice e Bruxelas), Brexit e unidade europeia (após o referendo de 2016) e as ameaças nucleares de Kim Jong-un e segurança internacional. Desde pelo menos 2017, a ascensão da China como potência e seu enorme poder econômico e político vêm ganhando destaque.
6 Bizarrices
Embora seja o palco mais importante da diplomacia internacional, a Assembleia Geral da ONU não escapa de eventos bizarros. Um dos mais conhecidos foi a passagem do ex-presidente venezuelano, Hugo Chávez. Em 2006, performático, ao falar, chamou o então colega dos EUA, George W. Bush, de "diabo". Na ocasião, gesticulou como a afastar o cheiro de "enxofre" deixado pelo antecessor no púlpito da ONU.
Em 1960, o líder soviético Nikita Krushev reagiu com fúria ao discurso do representante das Filipinas, que acusava a URSS de ter "engolido" os países da Europa Oriental. O primeiro-ministro soviético golpeou com forla a mesa onde estava, com os dois punhos, e tirou o sapato do pé direito e acertou a mesa com ele.
Os discursos, no entanto, acabam preponderando sobre os gestos. Entrou para a história a frase do líder palestino Yasser Arafat, que, em 1974, afirmou:
- Venho com um ramo de oliveira em uma mão e a arma de um combatente pela liberdade na outra. Não deixem que o ramo de oliveira caia de minha mão.