Em depoimento à CPI da Covid, no Senado, nesta terça-feira (11), o ex-chanceler Ernesto Araújo negou que houvesse um alinhamento automático com os Estados Unidos durante sua gestão e "desdisse" agressões à China feitas durante sua gestão. A coluna lembra alguns episódios:
Alinhamento com os EUA
É verdade que o alinhamento automático com os EUA não é novo. De fato, em maior ou menor grau, diferentes governos estiveram afinados com a política externa americana . No entanto, entende-se que, antes de Bolsonaro, só o governo Castelo Branco teve um posicionamento tão acrítico às políticas de Washington.
- O ex-presidente Donald Trump foi flagrado pelas lentes de um fotógrafo em discurso no qual a palavra "coronavírus" escrita por assessores foi trocada, às pressas, pela expressão "vírus chinês". O próprio presidente passou a adotar o termo em pronunciamentos, entrevistas e mensagens em redes sociais de forma a culpar a China pelo aparecimento da doença. Em abril de 2020, Araújo publicou em seu blog, chamado Meta Política Brasil, um post com o título "Chegou o Comunavírus", acompanhado da opinião de que o coronavírus faria parte de um plano comunista para construir uma nova ordem global.
- No mesmo texto, o então chanceler afirma que "o vírus aparece, de fato como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista". O chamado "globalismo" é uma das obsessões de Araújo. O termo, também adotado pela alt-right americana, base de apoio de Trump, sugere um suposto conluio internacional organizado pela elite progressista para dominar o planeta nos campos político, econômico, empresarial, cultural, e além. Um dos defensores dessa ideia é o escritor Olavo de Carvalho, amigo de Araújo. A tese foi adotada foi desenvolvida por Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, adotada por parte do governo americano e emulada por formuladores da política externa brasileira, como Araújo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins.
- Um dos atos concretos do alinhamento da chancelaria brasileira aos Estados Unidos foi a decisão mudar a sede da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que implicava o reconhecimento da Cidade Sagrada como capital do país _ algo questionado pela comunidade internacional. O Brasil seguia os passos dos EUA na iniciativa, mas recuou depois de pressão da Liga Árabe, que ameaçou deixar de importar proteína animal do país.
Críticas à China
As críticas à China, principal comprador dos produtos brasileiros, foram feitas no âmbito do alinhamento automático com a política externa americana.
- O "comunavírus", utilizada por Araújo, é uma expressão _ e pejorativa, segundo fontes na embaixada chinesa no Brasil _ derivada do "vírus chinês" de Trump. Não há provas científicas de que o Sars-C0V-2 seja uma criação chinesa nem garantias de que o vírus tenha vazado de laboratório. Ao contrário, investigações internacionais apontam que ele teria surgido a partir de animais silvestres, em um mercado da cidade chinesa de Wuhan. Carecem, no entanto, maiores pesquisas sobre sua origem.
- Um dos atos mais concretos da rivalidade entre Araújo e a China foi a posição do chanceler brasileiro após discussão entre o deputado Eduardo Bolsonaro e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. O ministro enviou em março do ano passado um telegrama diplomático ao embaixador brasileiro em Pequim solicitando que ele entregasse documento formal ao governo chinês pedindo a substituição do funcionário em Brasília. Embora reiterada, a mensagem foi ignorada pela China.
- Em diferentes manifestações públicas, Araújo disse que o Brasil queria barrar a ascensão do "tecno-totalitarismo" de países com "diferentes modelos de sociedade". Embora não tenha nominado a China, era uma referência à ditadura chinesa e sua intenção de expandir a tecnologia 5G, na visão de parte dos formuladores de política externa brasileira, apoiada pelos EUA, como nocivas aos interesses nacionais.