Em 2025, um presidente americano dá um ultimato ao Brasil: se o desmatamento na Amazônia continuar, ordenará ataques aéreos contra o país.
Calma. É só uma hipótese, que consta de um artigo publicado em 5 de agosto de 2019 pelo professor Stephen Walt, conhecido pesquisador da escola realista de Relações Internacionais, docente em Harvard, na revista Foreign Policy. O título inicial era: "Quem vai salvar a Amazônia?". Depois de alguma polêmica, foi trocado para "Quem vai salvar a Amazônia (e como)?"
À época, o texto virou uma espécie de epifania. Durante um dos momentos mais críticos das queimadas na floresta, que consumiam a imagem do Brasil lá fora, o presidente francês, Emmanuel Macron, insinuou, durante encontro do G7, o status internacional para a Amazônia.
- Não é o caso de nossa iniciativa hoje, mas é um verdadeiro caso que se coloca se um Estado soberano tomasse de maneira clara e concreta medidas que se opõem ao interesse de todo o planeta - sugeriu Macron.
Não há tema mais sensível em termos de soberania nacional do que a Amazônia. No polarizado Brasil, o assunto une lados distintos: "A Amazônia é nossa", diziam os militares na ditadura. "Contra o imperialismo", afirmava a esquerda quando o olho grande dos EUA de George W. Bush mirava a América do Sul pré-11 de Setembro.
Em 1989, o ex-vice-presidente democrata Al Gore afirmou:
- Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós.
E, no mesmo ano, outro presidente francês, François Mitterrand, declarou:
- O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia.
Os exemplos acima servem para mostrar que, se o tema do ambiente é o caminho para as boas relações entre os Estados Unidos de Joe Biden e o Brasil de Jair Bolsonaro, o pedágio é a Amazônia. É ali que muito do sentido de identidade e orgulho afloram.
Na quarta-feira, os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantiveram a primeira reunião de trabalho com John Kerry, enviado especial do governo dos EUA para as mudanças climáticas. Está claro que Biden conta com Bolsonaro no fórum sobre ambiente, marcado para 22 de abril, Dia da Terra. A participação do presidente é pré-requisito, como já comentei aqui, desde a reunião virtual entre Araújo e o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, no dia 11.
Mas o que exigirá maior trabalho do Planalto, do Meio Ambiente e do Itamaraty será o plano que os EUA pretendem apresentar de conservação da Amazônia, a ser criado em colaboração com os países que abrigam parte da floresta. A ideia consta do
pacote lançado por Biden, de US$ 1,9 trilhão. Estamos falando de nove países. Não vou nem explorar neste momento como Biden pretende se aproximar de um deles, a Venezuela de Nicolás Maduro. Só o Brasil abriga 60% da floresta.
Na conversa com Araújo e Salles, Kerry ressaltou que planeja trabalhar em parceria com o Brasil na questão ambiental. Em nota, os ministérios brasileiros disseram que examinam "possibilidades de cooperação" em ações contra mudanças do clima e combate ao desmatamento.
Que fique claro: ninguém esqueceu o passado. Bolsonaro era unha e carne de Donald Trump, contestou a eleição de Biden e foi um dos últimos governos a parabenizá-lo pela vitória. Por sua vez, o democrata, na campanha, ameaçou impor sanções econômicas ao Brasil, caso não houvesse ações para conter a alta no desmatamento. Biden acenou com uma oferta de US$ 20 bilhões para a Amazônia e prometeu reunir o mundo para cobrar ações. Bolsonaro disse que a fala foi "lamentável" e a soberania brasileira era "inegociável".
Há verdade no slogan "A Amazônia é nossa", existem preocupações importantes sobre soberania na porosa fronteira de mata, e, sim, por vezes, aparecem políticas imperialistas na região. Mas US$ 20 bilhões não são desprezíveis, se usados para manutenção da Amazônia. Há missão de proteger, conferida a quem, como o Brasil, é detentor de um bem global, cuja responsabilidade de zelar é também coletiva _ como de uma fábrica que polui na China e contamina o ar que todos respiramos. Os tensionamentos não são de hoje. Mas Biden e Bolsonaro precisam encarar o desafio com espíritos desarmados.