Há quatro anos, a era K se encerrava na Argentina com Cristina Kirchner deixando a Casa Rosada pela porta dos fundos envolvida em suspeitas de corrupção e com o país em recessão com a diminuição do preço das commodities e a pobreza e o trabalho informal aumentando. Eleito com a promessa de devolver a nação ao crescimento econômico, por meio de medidas liberais após 12 anos de governo de centro-esquerda, Mauricio Macri era esperança de boa parte dos argentinos e de uma América Latina que virava à centro-direita em vários países.
Ao longo do mandato, Macri não conseguiu cumprir as promessas de campanha e recorreu a medidas traumáticas a que os argentinos conhecem bem, como o socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesta terça-feira, um kirchnerismo diferente retorna à presidência — por um lado graças a uma jogada impressionante de sobrevivência política de Cristina e por outro em razão da desilusão com o macrismo. A Argentina, hoje, tem 4 milhões de pobres a mais do que quatro anos atrás.
Quando Alberto Fernández e Cristina estiverem nesta terça-feira (10) no balcão da Casa Rosada já empossados, os argentinos e os vizinhos do continente estarão se perguntando quem governará pelos próximos quatro anos: o presidente ou a vice?
Dentro do próprio governo, interlocutores entendem que haverá duas cabeças. Entre os ministros, há muitos que contestam com dureza a atuação de Cristina no partido e seu mandato. No alto escalão, o número de autoridades que integraram os governos do casal K — Néstor e Cristina — é reduzido. Mas eles existem. Fernández também terá de lidar com um núcleo no gabinete que ainda tem em Cristina seu referencial político, entre eles nomes importantes como os ministros da Defesa, Agustín Rossi, do Tesouro, Carlos Zannini e do Interior, Tristán Bauer.
Na balança de poder, o que pesa a favor de Cristina é uma peculiaridade do cargo na Argentina. Do outro lado do Prata, o vice, além de substituir o presidente em caso de ausências, detém também a presidência do Senado. No cargo, Cristina pode influenciar decisões e tem a premissa do voto de desempate no plenário. Na Câmara, conta com um braço importante, seu filho Máximo, que será líder da bancada governista.
Isso significa que, enquanto Fernández e Cristina tiverem visões convergentes, o governo tende a fazer passar a maioria de seus projetos. Mas, se houver divergências, as divisões começarão a aparecer — e Cristina terá mais força. Aliás, é tradição na Argentina o presidente e o vice viverem às turras.