Há mais semelhanças entre Donald Trump e Vladimir Putin do que parece. Ambos embasam seus discursos para torcidas internas com promessas que atendem ao orgulho ferido de suas populações: levantar a autoestima de suas nações, valorizar idiomas e culturas próprias. Na prática, o que Putin faz no Kremlin é uma versão russa do "Make America great again" de Trump. Ou algo como "Make Russia great again". A expressão não é minha, mas do professor Vladimir Rouvinski, diretor do Laboratório de Política e Relações Internacionais da Universidade Iceis, da Colômbia, na entrevista que concedeu para a reportagem que está nesta edição do caderno DOC.
Mais semelhanças entre os dois: Putin e Trump vivem em pé de guerra com a imprensa – embora o russo, ainda que lutador de judô, nunca tenha protagonizado a cena bizarra de partir para cima de alguém com o logo da CNN no rosto. Por motivos diferentes, ambos também não têm interesse em uma União Europeia fortalecida. Para Putin, o bloco europeu fragmentado amplia sua potência no leste do continente, onde estão antigos aliados soviéticos e eleva sua força ao sentar à mesa de negociação individualmente, com cada um dos membros. Para Trump, a UE representa a antítese de suas bandeiras: o bloco prega o multilateralismo, o americano, o isolamento; a Europa (exceção do Reino Unido) quer garantias de livre-comércio, Trump o protecionismo; o bloco está fechado (inclusive o Reino Unido) com a redução das emissões de gases poluentes acertada no Acordo de Paris, que Trump rejeitou.
Apesar dessas simpatias em comum, há divergências entre o americano e o russo. Foi a primeira vez que se encontraram, embora Trump desde a campanha se derramasse em elogios ao russo. A verdade é que ele vê Putin como seu melhor amigo no cenário mundial – e, já registrei aqui, na coluna, que essa é mais uma percepção de Trump do que algo recíproco. O primeiro face to face dos dois mostra isso: foi fora da agenda oficial, no cafezinho, que apertaram as mãos. Putin, calejado na diplomacia global, frio como sempre, esboçou seu sorriso tímido. Trump, mais alegre, homem de negócios, não foi apenas com a mão direita em direção a Putin, mas fez questão de, com a esquerda, dar três tapinhas no braço do russo. Câmeras também flagraram, depois, a uma mesa, outro tapinha, desta vez nas costas de Putin.
No encontro oficial, de 135 minutos, no final da tarde em Hamburgo, duas notícias emergiram. A primeira e que ganhou manchete instantânea da imprensa internacional: "EUA e Rússia acertam cessar-fogo no sudoeste da Síria a partir do meio-dia deste domingo pelo horário de Damasco". Parece algo produzido milimetricamente para reverberar. A verdade é que a região sudoeste do país, perto da fronteira com a Jordânia, não é a mais violenta. Pelo contrário. O epicentro do conflito sírio situa-se na metade Norte, em cidades como Homs, Raqqa, Aleppo e a grande área desértica da fronteira com o Iraque, país do qual, aliás, os terroristas do Estado Islâmico estão sendo defenestrados.
Desta vez, não faltou combinar com os russos, com o perdão do trocadilho. Mas não há garantias de que o governo de Bashar al-Assad irá aceitar o fim de hostilidades nem que a oposição e o saco de gatos de extremistas que se misturam a ela irão depor armas.
A segunda manchete da tarde foi que "Trump aceitou como verdadeira a declaração de Putin de que a Rússia não interferiu na eleição americana", segundo as cuidadosas declarações diplomáticas. Mais uma conclusão de pouco valor. Putin dizer que não agiu para facilitar a derrota de Hillary Clinton e Trump aceitar não significa que a espionagem e a interferência não ocorreram. Até porque, se alguém foi privilegiado pela suposta ação russa, foi o próprio então candidato republicano.
Não que eu esperasse muito do encontro entre os dois. Mas, dada a necessidade de mais diálogo em um mundo com vários pontos efervescentes – além da Síria, a tensão envolvendo a Coreia do Norte, por exemplo –, o que emergiu até agora da conversa entre Trump e Putin é pouco animador.