Como repórter, tive a oportunidade de assistir, pessoalmente, a cinco discursos de Barack Obama ao longo desses últimos oito anos. Vi Obama candidato, presidente empossado, postulante ao segundo mandato e em campanha para eleger Hillary Clinton. A mais emocionante de todas as falas foi em 2008. Estava no Grant Park, em Chicago. A multidão, a apuração apertada, a apoteose da vitória, as promessas de mudança, o vento gelado que soprava do Lago Michigan... Tudo isso dava contornos épicos a uma noite em que os EUA prometiam ao mundo a esperança de uma nova era. A América deixaria de ser o país da guerra dos anos Bush, das aventuras belicistas no Afeganistão e no Iraque e das torturas em masmorras da CIA. Uma nação historicamente fraturada pela segregação racial estava elevando, pela primeira vez, um negro ao cargo mais importante do país. O “Yes, we can” daquela noite arrepiava os mais céticos dos analistas internacionais. Não seria exagero dizer que o mundo acreditou na “change” (mudança) do slogan daquela campanha.
Apesar da emoção, não foi aquela a vez em que fiquei mais perto de Obama. Em 2012, em Concord, New Hampshire, pude observá-lo a uma distância de 10 metros. Quando está em um ambiente informal, Obama dá uma corridinha sempre que vai subir ao palco. Com as mangas da camisa arregaçadas, quase sempre sem paletó, quer mostrar agilidade. Observa a plateia antes de falar, como quem olha para cada um dos presentes. Muitas vezes, cerra as pálpebras, como se tentasse achar alguém conhecido na multidão. Ao discursar, alterna muitas frases de efeito com poucas banais. E fica em silêncio. Para de repente. Espera a reação do público, que em geral responde com aplausos, gritos e também risinhos. Obama gosta de acrescentar piadas a seus discursos ou de resgatar histórias de sua vida pessoal, da época do namoro com Michelle ou de sua juventude como ativista comunitário nos guetos de Illinois.
Na próxima terça-feira, fará seu discurso de despedida. Passará o poder a Donald Trump no dia 20, na capital federal, mas, a exemplo de George Washington, em 1796, decidiu fazer uma fala de adeus. Quer escrever seu próprio legado, antes que outros o façam.
Tenho dúvidas se o mundo ficou melhor nesses oito anos. Mas tenho certeza de que os EUA, embora mais divididos politicamente – e isso foi provocado, em parte, pelas políticas de Obama, mas também devido a um Congresso hostil –, estão mais justos. Seu governo debelou a crise econômica de 2008, um número maior de cidadãos têm acesso à saúde, mesmo que o Obamacare desagrade à classe média, e menos jovens estão morrendo em trincheiras mundo afora.
Nem tudo são flores: Guantánamo, que ele prometeu fechar, segue aberta – ainda que com menos presos; a NSA segue bisbilhotando a vida de milhares de pessoas dentro e fora dos EUA; drones caçam terroristas à distância e por vezes erram o alvo acertando civis; Obama titubeou na Síria; e viu que ser negro não foi suficiente para resolver conflitos entre policiais e negros que se acirraram nos dois mandatos.
A história julgará seus atos. Presidentes constroem legados não apenas por medidas práticas, mas também por comportamentos. A família Obama imprimiu um estilo diferenciado à Casa Branca. O presidente come hamburguer no bar da esquina, faz declarações apaixonadas à mulher, dá sermão às filhas, dança, ri, chora. Os mais céticos dirão que tudo isso é planejado pela equipe de comunicação. Pode até ser. Mas, nas cinco vezes em que vi Obama, nunca tive a impressão de falsidade. Seus gestos reverberam valores de um mundo multicultural e multipolar. Ele tinha 47 anos quando assumiu. Sai da Casa Branca com 55 e os cabelos bem mais brancos. Candidato ou presidente, não perdeu o idealismo, sem deixar de ser pragmático. Foi carismático sem ceder ao populismo. Nesses tempos tortuosos, coerência já é um grande legado.