Uma das primeiras tarefas de um presidente dos EUA, ao chegar a cada manhã ao Salão Oval da Casa Branca, é ler o relatório diário preparado pelas agências de inteligência. Obviamente, trata-se de um documento sigiloso, no qual estão detalhadas as ameaças à nação. O que esperar se o presidente desdenha das informações ali contidas?
Grosso modo, um cenário como esse poderá ser vislumbrado a partir de 20 de janeiro, tendo em vista a rixa entre Donald Trump e a rede de inteligência. A semana que passou foi a mais tensa nos EUA envolvendo assuntos de segurança nacional desde os atentados de 11 de setembro de 2001. À época, a CIA e o FBI foram duramente criticados por não terem imaginado que terroristas poderiam sequestrar jatos comerciais e arremessá-los como mísseis contra prédios americanos. A conclusão: as agências não trocavam informações, e o sistema, que sugava recursos e muitas vezes produzia relatórios contraditórios, era mastodôntico.
Muito se avançou desde então. O atual documento dos arapongas sobre a influência russa na campanha eleitoral de 2016 é de uma convicção impressionante: o Kremlin atuou de forma “sem precedentes”, e o governo de Vladimir Putin constitui hoje uma das grandes ameaças aos EUA.
O presidente Barack Obama recebeu o relatório na quinta-feira. Na sexta, a cúpula da inteligência o apresentou ao presidente eleito na Trump Tower. Ao final da reunião, Trump não concedeu entrevista aos jornalistas. Foi ao Twitter zombar das suspeitas: disse que essas conclusões foram obtidas pelas mesmas agências que, em 2003, diziam que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa.
Ora, entre os funcionários que avalizam os documentos não estão espiões juvenis – James Clapper, atual diretor de Inteligência Nacional e um dos mais surpresos com o nível da interferência russa, é funcionário de carreira. Entrou para os serviços de inteligência americanos nos anos 1960, no auge da Guerra Fria.
Ao minar a confiança em seu serviço secreto, Trump dá mais do que um tiro no pé. Coloca em risco a segurança do país. Por certo, a cúpula da segurança irá mudar com a troca de governo. O próprio Clapper não será mais o comandante dos espiões, mas, dado o caráter técnico do trabalho em questão, é de se duvidar que as 17 agências que integram o grupo de inteligência farão, a partir da semana que vem, relatórios simplesmente para agradar ao chefe.