De terça-feira, quando cheguei aos Estados Unidos, até segunda-feira, percorri 2.604 quilômetros de carro – distância semelhante a uma viagem entre Porto Alegre e Porto Seguro, na Bahia. Dos sete Estados pelos quais passei, posso dizer que conheci, ao menos por alguns dias, a realidade de cinco – Ohio, Carolina do Norte, Virgínia, Pensilvânia e Nova York. Juntos, totalizam 95 delegados no colégio eleitoral – 35% do numero mágico de 270 delegados que Hillary Clinton e Donald Trump precisam para vencer a eleição.
À exceção de Nova York, onde os democratas tradicionalmente vencem – e levam seus 29 delegados de roldão –, os demais Estados acima integram a famosa lista dos chamados battlegrounds (campos de batalha da eleição) ou swing states, porque não seguem uma lógica – são infiéis aos partidos.
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O que faz a política americana tão interessante – e difícil de compreender até para mim, estou na terceira cobertura eleitoral nos EUA – são os contrastes dentro dos Estados. Em Ohio, por exemplo, onde iniciei a viagem de carro, metrópoles como Columbus e Cleveland votam pelos democratas, enquanto cidadezinhas do interior, como Johnstown, preferem os republicanos. Mas, mesmo nesses vilarejos, qualquer generalização seria equivocada. Conversei com jovens criados na mesma cidade, por famílias com padrões de vida semelhantes, que pensam completamente diferente entre si.
Só mergulhando na América profunda, como fiz nesses últimos dias, é possível compreender como o discurso simplista e por vezes xenófobo e arrogante de Donald Trump cola em famílias com alto grau de instrução. Nem sempre votam por tradição familiar. Não é mais assim nos EUA – ou não é apenas só assim. Há uma miríade de tendências, opiniões e interesses.
Muitos votam em Trump porque acreditam que o presidente Barack Obama tem uma política de esquerda – os mais radicais, e exagerados, eu diria, dizem que ele é comunista. Outros escolhem o bilionário por sua promessa de expulsar os imigrantes ilegais – algo improvável, são 12 milhões, custaria muito caro deportá-los e nem o serviço secreto sabe onde está cada um deles. Mas esses eleitores, muitos deles imigrantes que se naturalizaram, acham que os ilegais estão tirando seus empregos.
Mais para o Sul, encontrei um país com forte tensão racial, herança de rixas históricas, alimentadas pela desigualdade atual e que se materializa nos 10 minutos de carro que separam a Universidade da Carolina do Norte do condomínio de College Downs Village, onde o negro Keith Lamon Scott foi morto pela polícia, estopim de uma série de confrontos neste ano. São dois mundos, que Obama conseguiu ligar em 2008 e 2012, mas que Hillary não tem a mesma capacidade. Afroamericanos e imigrantes latinos representam 30% da população. Isso explica por que Trump apela para a imigração illegal e Hillary tenta pegar carona na popularidade de Obama para conquistar os afroamericanos.
Vi um país dividido, quase envergonhado de apresentar ao mundo esses candidatos. "Vamos escolher entre o mal menor", frase que ouvi muitas vezes, martela na minha cabeça. Mas Trump e Hillary chegam até aqui trazidos por rachas internos do Partido Republicano, por um talento, é preciso admitir, de comunicação de Trump – e por seu dinheiro –, por um projeto de poder do casal Clinton e, principalmente, por falta de alternativas. Mas os políticos são espelhos do povo que representam. Para quem teve Obama, John McCain e Mitt Romney como candidatos em eleições passadas, a maior democracia do mundo chega mais pobre ao 8 de novembro.