Demorou, mas cá estamos nós – os "mais jovens", como se isso fosse grande coisa – com medo de ir ao supermercado. Quem diria? Fica difícil se sentir onipotente com o bafo da morte arranhando a nuca. Ainda bem: se nem a hecatombe dos hospitais, a disparada dos óbitos e o choro desesperado dos médicos conseguissem nos sacudir, aí não seríamos somente egoístas, seríamos suicidas.
Mas não, ninguém quer morrer. Eu, por exemplo, voltei a higienizar tudo que é sacola quando volto para casa. Confesso que havia abandonado esse hábito em agosto ou setembro, mas qualquer mínima possibilidade de precisar de um médico agora, neste momento, bota em pânico todo mundo. E não é medo só do corona.
A Jéssica Rebeca Weber, nossa colega ainda mais jovem, parou de comer maionese por temor de morrer de intoxicação alimentar – morrer mesmo, não só ficar doente. Porque, na situação atual, quem ficar doente por qualquer motivo, caso avance para um quadro mais grave, talvez não consiga atendimento. E aí pode morrer.
Meus amigos que antes faziam pequenos encontros dentro de casa preferiram se aquietar. As rodinhas em parques no fim de semana desapareceram. Não se vê mais tanta notícia de festa clandestina. Aliás, não vou ficar passando carraspana, dizendo que "se tivessem mais respeito, não estaríamos onde estamos", eu não, os pais e mães que façam isso, mas sei que há muita gente arrependida. Talvez seja um começo.
Embora tenham dito que essa doença era de velho, esqueceram que ninguém se exporia mais ao vírus do que os jovens. Não só pela imprudência eventual, mas porque são maioria na população ativa – grande parte se expôs porque precisou trabalhar, lutar, sobreviver. Nos hospitais, os médicos se surpreendem com a quantidade de pacientes com menos de 50 ou 40 anos.
– E são pessoas em estado grave. Antes, eram jovens com comorbidades: obesos, diabéticos, soropositivos. Agora é gente saudável na UTI – diz o infectologista André Luiz Machado, do Hospital Conceição.
Entre os que escapam da morte, muitos têm sequelas – não se sabe se definitivas. Ocorre uma redução na capacidade pulmonar que derruba a qualidade de vida: quem tinha o hábito de se exercitar, por exemplo, jogando bola ou frequentando academia, pode sentir que o fôlego não aguenta mais.
O doutor André Luiz lembra que as novas cepas, mais transmissíveis, agora pegam famílias inteiras. Foi-se o tempo em que era comum, em uma casa com cinco pessoas, apenas uma se infectar. Foi-se o tempo em que os mais jovens não tinham medo. Pois que o medo nos acompanhe: precisamos dele.