Eram 22h30min quando o médico emergencista Felipe Gonçalves, 39 anos, já extenuado com a rotina caótica da UPA Moacyr Scliar, fez um triste telefonema para a central de leitos. Como não há vagas para todo mundo, ele precisou informar a ordem dos pacientes que teriam prioridade na transferência para UTIs.
– Nunca tinha feito isso. Sei que fizeram coisas assim fora do Brasil, mas não esperava chegar a esse ponto – lamenta o médico, para depois revelar: – Os mais jovens, com menos comorbidades, são prioridade.
Esses, em tese, têm mais chance de sobrevida do que os mais velhos. Um senhor de quase 80 anos, por exemplo, completou nesta terça-feira (23) uma semana de espera por um leito de UTI. Ele está na UPA deitado em uma maca, com insuficiência respiratória, recebendo por uma máscara menos oxigênio do que deveria.
– Pelo menos está em uma maca. Ela é mais dura, não é uma cama, mas tem gente recebendo oxigênio e passando a noite em cadeira de plástico – conta Felipe Gonçalves.
Isso ocorre porque a UPA Moacyr Scliar, com capacidade para 23 leitos, tinha nesta terça 59 pacientes aguardando transferência para hospitais. Dez deles precisavam de UTIs. E, entre esses 10, há os que necessitavam de ventilação mecânica – só que a UPA só tem cinco respiradores e, segundo o emergencista Felipe, não para de chegar gente:
– Estamos fazendo algo que nunca aconteceu, que é adiar a entubação. A gente avalia: aquele paciente precisa ser entubado, mas acho que aguenta mais um pouco, então vamos deixá-lo sem o tubo e botar nele apenas a máscara de oxigênio. Porque, se chegar alguém com insuficiência respiratória pior, tem um respirador disponível.
Felipe lembra que, conforme o tempo vai passando, o paciente que precisaria estar entubado "vai perdendo as forças, vai sendo consumido pela doença". Ou seja, quando a entubação chega com dias de atraso, a energia da pessoa para suportar a covid naturalmente diminui.
– É muito triste, estamos exaustos. A impressão que eu tenho é de que, ao entubar, estou enviando as pessoas para a morte. Não acho mais que estou fazendo uma coisa boa – lamenta o médico.
No sábado passado, ele precisou atender uma mulher com parada cardíaca no chão, porque não havia maca disponível na UPA. Também foi a primeira vez que Felipe precisou fazer isso.