Cansado de ver sua mãe alcoólatra batendo em seus quatro irmãos, Rafael Fernandes Dutra saiu de casa com apenas sete anos. Desde então, tem morado pelas ruas do centro de Porto Alegre. Hoje, aos 30 anos, está cursando o 1º ano do Ensino Médio na Escola Porto Alegre, que atende outras pessoas na mesma situação e com os mais diversos sonhos.
— Meu sonho é ser professor de matemática, é a minha matéria preferida. Eu adoro estudar, vou sempre nas aulas e nos passeios da turma. Gosto de ir cheiroso, bem arrumado — diz Rafael.
Quem não tem um teto para morar, entretanto, encontra uma barreira no dia a dia: a falta de locais públicos para cuidar da higiene pessoal. Para tentar amenizar essa situação, enfrentada por mais de 2 mil pessoas na Capital, o colégio oferece no pátio um tanque e torneiras para que eles possam lavar suas roupas e escovar os dentes. Por isso, a diretora Jacqueline Junker não pensou duas vezes para sediar a primeira edição do projeto Lavanderia de Rua, liderado por Letícia Andrade, da ONG Centro Social da Rua.
Em um trailer de 2,5m de largura e 1,7m de comprimento, os voluntários da instituição colocaram à disposição dos moradores três máquinas de lavar e secar roupas. E a procura foi alta: a inauguração, prevista para às 17h de terça-feira (16), foi antecipada em 30 minutos devido à enorme fila que já se formava desde o meio-dia. Homens, mulheres e crianças seguravam pacientemente calças, camisetas, casacos e edredons na esperança de sair de lá com suas roupas usadas parecendo novas.
— A galera não usa muito as roupas, acaba botando fora. Tem muito rato e barata nas ruas, daí a gente fica com medo das crianças. É perigoso — relata Adriano Antônio Soares Pinto, 20 anos, mais conhecido nas ruas pelo nome artístico MC Zapinha Samurai.
A ideia do projeto Lavanderia de Rua surgiu quando Letícia notou que a maioria dos moradores de rua atendidos pelo Banho Solidário, outro projeto da ONG que disponibiliza chuveiros para que eles possam tomar banho, tinham de colocar suas roupas no lixo porque ficavam inutilizáveis.
— Muitas vezes eles precisam colocar fora coisas que gostam bastante porque apodreceu. Uma peça dura no máximo uma semana para quem vive nessas condições — comenta a idealizadora da ação.
Segundo Letícia, a lavagem é feita com produtos especiais, os mesmos utilizados na higienização de roupas hospitalares. Assim como já ocorre no Banho Solidário, não houve nenhum tipo de triagem para selecionar as pessoas atendidas: eles lavavam suas roupas por ondem de chegada. Embora não tenha um controle exato da quantidade de pessoas atendidas no primeiro dia do projeto, as máquinas não pararam de trabalhar em nenhum momento: ela imagina que entre 60 e 70 pessoas tenham utilizado os equipamentos.
O dinheiro para a construção da estrutura, assim como da aquisição dos produtos de limpeza, foi arrecadado em uma vaquinha virtual criada em janeiro. Foram recebidos R$ 35 mil para a elaboração do projeto. A verba deve ser suficiente para promover a ação semanalmente pelos próximos seis meses. Agora, a ONG precisa firmar parceria com locais que se voluntariem em fornecer energia elétrica para a ação.
— Nós queremos dar mais dignidade para essas pessoas. Como querer que uma pessoa saia da rua se ela não consegue ter nada seu?
Quem ganha com a iniciativa são os moradores de rua, como Rafael. O futuro professor de matemática vê a novidade como um grande passo para o seu sucesso profissional:
— Agora que podemos tomar banho e lavar nossas roupas, vai ficar mais fácil pra gente procurar emprego. Ninguém quer contratar alguém fedido.