Considerado um urbanista visionário do século 20 e um dos maiores nomes da arquitetura moderna, o francês Le Corbusier (1887 – 1965) teve recentemente 17 de suas obras espalhadas em sete países classificadas pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. A inscrição das criações do célebre arquiteto na reputada lista elaborada pelo órgão internacional chegou a ser questionada na França no ano passado, efeméride do cinquentenário de sua morte, pelo lançamento de três livros biográficos reveladores de aspectos sombrios de sua trajetória pessoal: suas relações com a extrema-direita francesa nos anos 1920 – 1930, com o regime fascista italiano de Benito Mussolini e com o governo colaboracionista de Vichy no período de ocupação nazista na França.
Le Corbusier, un fascisme français ("Le Corbusier, um fascismo francês", ed. Albin Michel), de Xavier de Jarcy; Le Corbusier – une froide vison du monde ("Le Corbusier – uma fria visão do mundo", ed. Michalon), de Marc Perelman, e Un Corbusier ("Um Corbusier", ed. Seuil), de François Chaslin, trouxeram à tona capítulos polêmicos do percurso político do arquiteto, conhecido por seus espessos óculos redondos e suas gravatas-borboleta. As obras mostram, em diferentes matizes, seu racismo e antissemitismo além do que já era sabido e apontam sua "tentação fascista" como mais do que mero acaso: suas relações com os ideólogos da direita nacionalista perduraram por décadas e teriam marcado profundamente seu pensamento arquitetônico
Para o arquiteto, a invasão nazista, em 1940, foi uma "milagrosa vitória francesa": "Se tivéssemos vencido pelas armas, a podridão triunfaria, nunca nada mais de limpo poderia pretender viver", escreveu em uma carta a sua mãe, em outubro do mesmo ano. Semanas depois, comemorou a grande "limpeza" que se preparava: "O dinheiro, os judeus (em parte responsáveis), a franco-maçonaria, tudo será submetido à lei justa. Estas fortalezas vergonhosas serão desmanteladas". Na mesma época, em outra missiva a sua mãe, escreveu que se Hitler "é sério em suas declarações, poderá coroar sua vida com uma obra grandiosa: o ordenamento da Europa". O arquiteto propôs seus serviços ao ditador soviético Josef Stalin e ao líder fascista italiano Mussolini, mas sem que uma parceria pudesse ser concretizada. Sobre o Duce, não poupou elogios: "O espetáculo oferecido atualmente pela Itália, o estado de suas capacidades espirituais, anuncia o limiar iminente do espírito moderno".
ACUSATÓRIO
Grande admirador da obra de Le Corbusier, François Chaslin, também arquiteto, levou quase três anos para escrever sua biografia, mas não se privou de abordar os aspectos polêmicos da vida do arquiteto.
– Tenho uma paixão especial por Le Corbusier. É uma situação particularmente cruel para mim, porque é como matar o pai. Não era minha intenção denunciá-lo. Mas eu o desmascaro um pouco – admitiu, quando o encontrei em sua casa em Ivry-Sur-Seine, no subúrbio de Paris.
Olivier Cinqualbre, curador da grande retrospectiva de Le Corbusier organizada no ano passado pelo Centro Pompidou, em Paris, reconhece que o arquiteto, em sua ambição por grandes projetos, bateu em portas erradas em maus momentos, mas acusa os biógrafos de criarem um "tribunal" e atuarem como "procuradores".
– Le Corbusier não é todo preto nem todo branco. Ele tem amigos da extrema-direita, mas também comunistas. É um pouco complicado – resumiu, quando o entrevistei, procurando nuançar o debate.
Para tentar aplacar a controvérsia, o Centro Pompidou promoverá nos dias 23 e 24 de novembro próximos um grande encontro intitulado Passados recompostos: Le Corbusier e a arquitetura francesa, 1929-1945. Trata-se de, levando em conta a "complexidade deste período em termos políticos e culturais", redefinir "o papel da produção arquitetural em relação aos debates da época". Nenhum dos três autores das polêmicas biografias figura, no entanto, entre os debatedores do evento.
TÊTE-À-TÊTE: Mauricio Zillo
O jovem chef brasileiro Mauricio Zillo, 35 anos, conquistou seu lugar entre as boas mesas da capital francesa. No ano passado, abriu seu restaurante A Mere (49 rua de l'Echiquier, 75010), já agraciado com generosas avaliações. O chef deixou o Brasil há nove anos rumo à França, onde aprendeu em reputadas cozinhas, inclusive em um ano junto ao estrelado Paul Bocuse. De volta ao Brasil, trabalhou com Alex Atala, do D.O.M. Depois, aventurou-se por restaurantes da Espanha e da Itália, até retornar a Paris.
Qual a definição de sua cozinha em três palavras?
Contraste, técnica, produto.
Uma criação sua?
Não acredito em prato-assinatura, mas em cozinha-assinatura. Mas uma criação que marcou a decolagem do A Mere foi a sobremesa de groselha, pastis, anchova e chocolate.
Um prato e onde em Paris?
A tourte de gibier ("torta de caça") do bistrô 6 Paul Bert (6 Rue Paul Bert, 75011).
Um chef francês?
Vincent Crépel, do restaurante Porte 12 (12, rua des Messageries, 75010).
Paris manhã, tarde ou noite?
Tarde.
Um lugar em Paris?
O 10° distrito, com sua diversidade cultural e o canal Saint-Martin. Essa é a verdadeira Paris para mim.
Uma surpresa em Paris?
Perder-se caminhando. Cada canto da cidade revela uma surpresa.
Uma decepção em Paris?
As novas gerações, cada vez mais alienadas da história do país.
Uma palavra em francês?
Râler ("reclamar", "resmungar", um verbo constantemente atribuído ao parisiense).