Porto Alegre é trilegal, mas já foi trilegalista e passou um tempão sitiada por esses mesmos farroupilhas homenageados em seus monumentos e ruas, sem permitir que eles entrassem. Pois minha cidade natal ainda ostenta o título de leal e valorosa concedido pelo imperador português por sua resistência aos revolucionários que perderam a guerra das armas, mas conquistaram a aura de heróis precursores das nossas liberdades. E esse Acampamento Farroupilha, erguido a cada setembro no coração da Capital, de certa forma, simboliza a acolhida tardia dos imperiais porto-alegrenses aos rebeldes republicanos, ambos agora compartilhando pacificamente o mate e a identidade gaúcha.
Mas a revolução dos costumes não acabou com o Tratado de Poncho Verde. Prova disso é a presença no reduto gaudério do Piquete das Gurias, com o manifesto propósito de defender os direitos das mulheres. Embora alguns bigodudos torçam o nariz para a iniciativa, outros tantos aplaudem – e aí nos vamos para mais uma peleia de conceitos e preconceitos. Polemizar é da nossa natureza.
A propósito de protagonismo feminino, acabo de reler A Casa das Sete Mulheres, o primeiro livro da trilogia em que a escritora gaúcha Letícia Wierzchowski reconta as nossas guerras pelo olhar das esposas, irmãs e filhas dos combatentes, especialmente dos familiares do líder Bento Gonçalves. Elas não pegaram em armas, mas viveram os mesmos tormentos, as mesmas dores e as mesmas perdas dos seus homens. Enfrentaram com coragem e orações longos períodos de sofrimento. Merecem, sem dúvida, um piquete que as represente dignamente no simbólico acampamento.
No embalo dos livros de Letícia (estou lendo, agora, Um Farol no Pampa, que dá continuidade à saga), estive recentemente em Laguna para conferir os registros sobre Anita Garibaldi, a guerreira catarinense que conquistou o coração do aventureiro italiano. Ela recebeu justificadas homenagens de sua cidade: estátua na área central, museu com imagens e objetos de sua época e a casa onde se vestiu para o primeiro casamento, antes de Giuseppe levá-la para suas guerras. Porto Alegre também abriga um monumento de mármore do casal. Já Manuela, sobrinha ou prima em segundo grau de Bento Gonçalves (há controvérsias), eterna e platônica noiva de Garibaldi, sequer tem uma sepultura com seu nome, pois seus restos mortais acabaram incinerados no cemitério de Pelotas.
Gurias anônimas, que bordavam, rezavam e cozinhavam enquanto os homens peleavam, também escreveram a história deste Estado.