Luiz Carlos Cirne Lima Di Lorenzi, criado no bairro Petrópolis, casado com Danielle, pai de Giovana, 14 anos, e Antônia, 11. Parece ficha de crediário, mas pedi ao Lisca que me desse uma geral familiar antes de partir para perguntas sobre a carreira, que está no mais alto conceito nacional por conta do sucesso com o América-MG.
Semifinalista da Copa do Brasil e garantido na Série A 2021 com quatro rodadas de antecedência, este porto-alegrense de 48 anos, feliz da vida, projeta sonhos mais altos.
Qual a sensação depois do dever cumprido quando se confirmou o acesso do América-MG?
Sucesso, competência, crescimento, valorização dos jogadores, caráter do grupo. No ano anterior, em casa, bastava o empate, e o América não subiu porque perdeu no último jogo para um time já rebaixado. Quinze jogadores do grupo estavam na ocasião. Ficou um gosto muito amargo, então agora teve também sentimento de alívio.
Galvão Bueno está te chamando de Lisca di Lorenzi e sempre fala da admiração pelo teu trabalho. O reconhecimento nacional ajuda na convicção de estar pronto para começar um trabalho em algum gigante do futebol brasileiro?
O reconhecimento da imprensa tem me ajudado a quebrar uma série de paradigmas. Um ícone como o Galvão sempre é importante ao reconhecer o trabalho e tentar tirar esse negócio do “doido”. Vocês me ajudaram muito a desmistificar isso, falar sobre conteúdo. Já tem uma faixa da torcida do América me agradecendo, com o nome “Lisca Di Lorenzi”. A gente está evoluindo para se habilitar a ter oportunidade em clubes maiores do Brasil. Já tivemos sondagens em situação de emergência, mas a ideia é começar um trabalho do zero, ainda mais agora com a parceria do Jorge Machado. Abriu mercado do Exterior, o asiático e o Oriente Médio. Por enquanto, só sondagens e especulações.
A questão financeira pesa bastante, mas tem a sequência da carreira, aproveitar o bom momento. Até o início de fevereiro, quero ter esta definição. Me sinto preparado para enfrentar trabalhos de exigência grande. Este é o nosso objetivo.
Você precisou abrandar o estilo carismático e tão peculiar para chegar ao patamar atual?
As características da gente ficam, mas sempre estamos em evolução. As reações talvez tenham mudado mais publicamente, talvez um pouco mais de controle de temperamento interno, mas a essência não muda. Metodologia de treinamento vai crescendo. Encontrei profissionais capacitados, tive ajuda para ver novas maneiras de ver o jogo. O América é um clube família. Trabalha-se com mais tranquilidade e sem tanta cobrança. Tudo me ajudou a mudar um pouco este temperamento e esta imagem.
Qual tua avaliação tática e técnica do atual futebol brasileiro?
Tem uma geração que está trocando de função no futebol, como Autuori, Muricy. Tem uma nova geração com novos conceitos de futebol, muita teoria, mas talvez sem tanta prática. Mas, às vezes, muito rígida e não usando a experiência que o futebol nos mostra. O esporte evoluiu em sistemas de marcação, diminuição de espaço, velocidade de execução, mas ainda tem muito do que os antigos pensavam. Não existe uma fórmula vencedora. Futebol tem várias maneiras de se ganhar. O Santos do Cuca faz sucesso usando marcação individual, que vários treinadores modernos condenam, pois preferem marcação por zona, gestão de espaço. Tem várias maneiras de se interpretar o jogo. Nada de preconceito com geração nova ou antiga. Tem treinador com mais idade se modernizando, trazendo pessoas novas para trabalhar junto.
Você parece fazer a ponte entre o treinador raiz e o estudioso. Sente-se confortável com este perfil?
Sim, posso fazer esta ponte. No teu meio existem os cronistas mais antigos e os mais jovens, convivendo com novos vocabulários. Os novatos dizendo que os veteranos não analisam o jogo, só fazem comentários específicos de parte técnica. Com os treinadores também acontece. Eu e o Renato representamos bem isso no curso da CBF. O Renato, que todos falam que não dá bola para teoria, estava lá, conhece muito o jogo. Sempre fui um cara que estudei, tenho 30 anos de carreira. Talvez por isso eu seja um treinador mais raiz, identificado com o povão, mais vibrante.
O rebaixamento do Inter não pegou nada em você. Ficou a admiração pela coragem de tentar. Tem vontade de fazer um trabalho longo no clube?
Imprensa e torcida nunca me condenaram, mas fiquei chateado. Talvez tenha sido o único trabalho de emergência que não consegui resolver. Ainda tenho frustração. O que aconteceu me trouxe muitas lições. Tenho vontade de trabalhar no Inter, mas não por este episódio e, sim, por toda uma história. Sou grato ao clube, me deu uma oportunidade quando eu tinha 18 anos, mudou minha vida no pessoal e no profissional. Vi a evolução que houve no histórico 2006, quando fui auxiliar do Abel treinando o time B. Um dia vai acontecer, é o caminho natural. Quando você elimina o Inter na Copa do Brasil, ganha respeito. Esta diretoria me conhece bem, achei legal terem contratado o gerente do América. O Paulo Bracks não tem vícios, é moderno. Acho que também no Grêmio, onde trabalhei na base, tenho boa relação com dirigentes como o Romildo. Acho que, no Sul, se Deus quiser, vai acontecer naturalmente e na hora certa.